
Embaixo do hotelzinho onde Bernard e eu nos hospedamos, ficava o Chinese Restaurant, tocado por um simpático casal de chineses, já meio idosos. A comida era boa — manjados pratos chineses, como o famoso Shop Chuey e até mesmo alguns pratos ocidentais “básicos”, como batatas fritas com filé de búfalo. Dessa forma, a maioria dos hóspedes, os confrades mochileiros, jantava ou almoçava lá.

Cada um se acomodava onde houvesse vaga, lado a lado junto aos onfrades mochileiros. Havia bancos compridos frente a uma pesada mesa de madeira para oito ou até dez pessoas. Desse modo, acomodados numa mesma mesa, os estrangeiros, travavam, dessa forma, conversação muito mais facilmente do se estivessem instalados em mesinhas isoladas.
Escolhendo seu grupo entre os confrades mochileiros
De uma certa forma, igualmente se distribuíam, sempre que possível, com seus confrades ou, pelo menos, com aqueles que falassem uma mesma língua. Senão, teriam todos que falar inglês, a língua universal, já que um italiano e um dinamarquês lado a lado não teriam outro idioma para se comunicar. Para escolher nossa mesa prestávamos atenção na língua mais falada por cada grupo. Ou seja, aqui falavam aquele inglês anasalado americano, numa outra mesa japonês ou alemão. Assim, sempre que podíamos, dividíamos uma mesa com franceses, italianos, brasileiros, argentinos ou espanhóis. Para mim era mais tranquilo e para Bernard, que se comunicava bem em espanhol, igualmente.

Viajando e aprendendo línguas
Ele já viajara pela América do Sul e pela Itália e conseguia se comunicar razoavelmente bem nos dois idiomas. Embora admitíssemos que inglês em viagem é fundamental, não era nosso idioma preferido. Nem Bernard, nem eu, nos julgávamos gênios no domínio de línguas. Mas, viajando, ficando uns meses em um país, qualquer um aprende. Ou, então, viajando juntos com amigos, namorando, convivendo. (Conviva e, se der, namore!) E, depois de um certo domínio da língua, procurar ler edições de livros no original. É uma dica para quem vai viajar um tempo e quer aprender idiomas mais depressa.

Nos fixando em Katmandu
Enquanto na Índia nós íamos de cidade em cidade, parando poucos dias em cada uma, em Katmandu nos “estabelecemos” e ficamos conhecendo muita gente. Em suma, aproveitando, assim, do relativo prestígio dos que chegavam ao Nepal de carro. Nem sempre eu e Bernard saíamos juntos; às vezes cada qual ia para seu canto ou arrumava uma paquera.

O point dos confrades mochileiros no topo do edifício
Um dos pontos de encontro do pessoal era o terraço do hotel, no topo do edifício. Tínhamos uma boa vista da cidade, já que não existiam arranha-céus em Katmandu, mas quase tão somente construções baixas.
As noites eram cada vez mais frescas. Ou seja um blusão leve por cima da camisa já era o suficiente durante as horas mais quentes do dia. A noite, entretanto, um blusão de couro se fazia necessário.
O terraço passou, assim, a ser um de nossos lugares favoritos quando não estávamos passeando pela cidade.

A criançada e suas pipas
Era do alto dos edifícios que crianças empinavam papagaios e brincavam. A única coisa que nos impressionava era ver que, exceto nos hotéis, nenhum daqueles terraços improvisado era seguros. Ou seja, era apenas a laje do imóvel. Em suma, não tinha muros, grades ou qualquer tipo de proteção. Nunca, felizmente, presenciei um acidente, mas, com toda evidência, desgraças deviam acontecer.
De nosso terraço acompanhávamos as manobras diárias de um garoto soltando a linha ao vento. Notávamos sua alegria e seu orgulho quando o papagaio atingia grandes alturas.

O problema é que a linha, cada vez mais comprida, arrebentava. Era visível a decepção do menino quando isso acontecia. Empinar papagaios parecia de fato o passatempo nacional das crianças nepalesas. Nos telhados e nas praças, nos campos próximos à cidade, todos empinavam pipas. Ou seja, meninos, meninas e mesmo adultos. Os céus de Katmandu são cheios de cores e movimentos. Erga os olhos e verá papagaios de todos os tipos e formatos!
A fauna do terraço
No Chinese Restaurant e no terraço do hotel conhecemos figuras, no mínimo, raras. Entre elas, uma francesa loira, magra, que caçava o marido que partira de Paris e desaparecera na Ásia. Viajava acompanhada pelo filho de apenas cinco anos. Ao contrário da maioria da moçada, entretanto, não fumava nada diferente.

A francesinha, Igualmente vestia-se de forma simples, porém discreta. Acredito, entretanto que exagerava na bebida. Frequentemente eu a via no restaurante, voz meio alterada, com um copinho de uísque nepalês na mão. Insistiu uma vez em me fazer provar. Horroroso! Bernard também achou detestável. Verdade seja dita, nenhum dos dois apreciava destilados. Nosso negócio era vinho. Ou então uma cerveja.

Já naquela época, muitos turistas iam ao Nepal para fazer rafting ou trekking: era o pessoal esportista, de ar mais saudável. Mais raramente, encontrei quem fosse fazer alpinismo no Himalaia, atividade que exige treinamento e experiência. Escalar os altos picos himalaianos não é para qualquer um. Respeito os que curtem escaladas, mas enão tenho nenhum interesse em ficar pendurado numa corda ao lado de um abismo…

Oba, um sebo!!!
Surpreendeu-me que a maioria dos estrangeiros, qualquer que fosse a sua “tribo”, não conhecesse quase nada sobre o Nepal ou tivesse lido muito pouco sobre o país. Mesmo assim, pude levar bons papos com europeus mais informados. Por meio desse pessoal mais “cabeça”, descobri uma das poucas livrarias que havia em Katmandu na época: uma espécie de sebo onde eu encontraria exemplares de livros do mundo todo.

Dessa forma, achei Garcia Márquez no original, o clássico On the Road, de Kerouac, e até uma versão francesa de Nexus, de Henry Miller. Lia o livro e o revendia ao livreiro por metade do preço. Interessante o sistema. Assim, esses livros usados nos custavam apenas algumas poucas rúpias. Afinal, sempre considerei livro novo aquele que eu não havia ainda lido…

Como havia em Katamandu viajantes do mundo todo, esse sebo, vendia livros em diferentes línguas. A maiora deles, é claro, era em inglês. Mas dispunha igualmente de uma razoável escolha em francês, alemão, alguns em espanhol ou mesmo em italiano. Achei inclusive uns três títulos em português. Eu entrava no sebo e ficava namorando os títulos. Li só uns dois liuvros em inglês. Sempre preferia o francês, o espanhol., ou ainda o italiano, com poucas opções.
Sigam o relato:
Sigam esta aventura de carro pelas estradas da Ásia. Atravesse o Oriente mágico e éxotico que encantou milhares de jovens europeus. Uma experiência vivida pelo autor do livro “A Vaca na Estrada” por países como Turquia, Irã, Afeganistão, Paquistão, Índia, Nepal
Veja a continuação desta postagem: O terraço dos filósofos

Explicação necessária:
Outras viagens pela Índia, lugares e experiências

Nosso destino nessa viagem de carro, espinha dorsal do livro “A Vaca na Estrada” de Paris ao Nepal, seria Katmandu. Da Europa passaríamos pela Turquia, Irã, Afeganistão, Paquistão e Índia. Antes, porém, de seguir para o Nepal fomos visitando outros lugares na Índia. Aliás, como estive diversas vezes no país, o livro “A Vaca na Estrada”, inclui igualmente algumas experiências vividas em outras viagens pelo subcontinente indiano.
Mumbay – Goa – Os marajás – o controle da natalidade – A arte na Índia – Rajastão 1 – “A Vaca na Estrada” – Rajastão 2 – Casamento à indiana – Viagem de trem na Índia – As castas – A colonização inglesa– Gandhi – Costumes, cultura – De Paris a Katmandu de carro – “A Vaca na Estrada” – Shiva e Jesus
