Livro: A Vaca na Estrada

038 De Paris a Katmandu de carro – “A Vaca na Estrada” Vivendo e aprendendo

O Nepal e seus turistas

Quando estive por Katmandu pela primeira vez, turistas de um perfil bem mais convencional que o meu — e muito mais endinheirados — começavam a desembarcar no Nepal. Naquela época os poucos hotéis bons ficavam, aliás, quase sempre, afastados do centro agitado e poluído.
Por outro lado, a região da Freak’s Street só tinha hotelecos e restaurantes para mochileiros.

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Certos imóveis por ali, eram antigos, pequenos e também de pé direito muito baixo. Dessa forma, falando francamente, não serviam sequer para abrigar uma lojinha decente. Em suma, um descuido ao entrar na loja resultava numa cabeçada dolorida. Essa realidade e a mudança no perfil do turista provocaram assim a abertura de hotéis e restaurantes em prédios mais modernos no Thamel, um bairro mais novo. O Thamel também era relativamente perto da Durbar Square. Enfim, alguns minutos de caminhada a mais.

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Os hinos de graças a vida

Um dos programas favoritos de muitos turistas, era, à noite, ouvir música num dos pequenos templos da Durbar Square. Era onde meia dúzia de nepaleses se reunia cantando hinos de graças à vida e tocando instrumentos cujos nomes eu ignoro. Um deles lembrava uma gaita. Outro, colocado sobre uma esteira, tinha, assim, o formato de uma caixa de laranjas retangular, com teclas e um tipo de fole.

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Fumar o shillom de hash obedecia a um ritual. Os nepaleses pegavam-no com as duas mãos, erguiam-no à altura da cabeça, faziam um gesto de oferenda a Krishna. Depois, tiravam ritualmente uma baforada. Logo passavam o shilomm ao vizinho da roda, que repetia a cerimônia. O uso do haxixe em rituais religiosos só foi proibido por pressão norte-americana, na década de 1980. Curiosamente, porém, a cannabis passou a ser cada vez mais proibida no Nepal, mas liberada em muitos estados americanos e na Europa.

Vivendo a aprendendo: os ladrões de banana

Ao regressarmos ao hotel num final de tarde, Bernard e eu tivemos uma surpresa ao entramos em nossos quartos. Como eu disse, ficavam um ao lado do outro.
Entrou ladrão aqui! — gritou ele.
Aqui também! — respondi.
Assim, imediatamente corremos para nossas mochilas e passamos a examinar os quartos, com cadeiras caídas no chão, objetos espalhados. Em suma, uma bagunça. Preocupei-me em primeiro lugar com meu passaporte e com a máquina fotográfica, já que os dólares estavam comigo, bem guardados portanto.

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Para minha surpresa, porém, encontrei a câmera sobre a mesa e o passaporte caído no chão. Por que motivo não tinham sido roubados? Afinal, passaportes são vendidos caros no mercado negro. Pela varanda, passei para o quarto de Bernard. Seu relógio igualmente não fora tocado. Tínhamos deixado aberta a porta da varanda, confiantes de que ninguém poderia entrar por ali. Afinal, estávamos no quarto andar do predinho. Examinamos as fechaduras das portas. Estavam intactas.

Quem teria conseguido invadir nossos quartos — e como?

Um completo mistério. Afinal, nada fora roubado. Assim, mais calmos, examinamos novamente os dormitórios. Encontramos um pequeno pedaço de maçã semimastigada no chão do quarto de Bernard. Outras frutas, uma pêra e duas bananas, também haviam desaparecido.

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Enfim, não entendemos nada realmente. Por que cargas d’água um ladrão, depois de invadir nossos quartos, desprezaria minha máquina fotográfica um tanto cara, nossos passaportes, cobiçados em todo Oriente e até umas notas de 10 rúpias que eu deixara sobre a mesa, para roubar apenas frutas? Aquilo nos pareceu, portanto, um completo mistério.

Descobrimos o meliante

Ficamos parados por alguns instantes um em frente ao outro, mãos nos bolsos, pensativos. Bernard suspirou, tirou lentamente um cigarro do maço sobre o criado-mudo. Fomos para a varanda, nos sintalando em um banquinho rústico. Ouvindo então um barulho.Llevantamos os olhos e descobrimos o meliante. Um macaco devorava tranquilamente uma das bananas de Bernard.

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Posteriormente soubemos, ao conversar com o dono do hotel, que não se deve deixar janelas abertas ao sair do quarto.Justamente por causa dos macacos. Ou seja, eles dividem com humanos os tetos de muitos edifícios em Katmandu. São infernais e espertíssimos. Em suma, chegam a abrir embalagens e a rasgar sacolas a dentadas para roubar qualquer tipo de comida.

 O picnic impossível em Swayambhunath, ou  Templo dos Macacos

Tive novamente problemas com esses delinquentezinhos em outras viagens, que fiz pelo país. Assim, fui uma vez de bicicleta, com um pequeno grupo de amigos, passar o dia em Swayambhunath. Esse templo budista a alguns quilômetros de Katmandu.
A aldeia tibetana, no alto de um morro, abriga uma das maiores e mais espetaculares stupas (templo budista) do Nepal. E também um monte de macacos… Daí ser conhecida igualmente como Monkey Temple (Templos dos Macacos).

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Na entrada de quem chega de Katmandu, um arco monumental dá acesso a uma interminável escadaria que leva até o topo do monte. Em outras palavras, com uma vista linda de boa parte do vale. De bicicleta, porém, no lugar de pegar a entrada principal, contornamos o monte até uma trilha lateral que também leva ao templo. Encostamos as bicicletas e subimos, caminhando, assim, por um gramado arborizado e não muito íngreme, até chegar próximo ao povoado tibetano.

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Lanchinho? Para quem?

Na volta, descemos pelo mesmo caminho, parando em uma área mais plana. Mais adequada, portanto, para nos sentarmos na grama e comer as frutas e os biscoitos que levávamos de lanche.
Ao abrir minha bolsa a tiracolo, notei que havia macacos junto a uma árvore nos olhando. Logo vi outros se aproximando. Eram muitos, e começaram, assim, a nos cercar. Um deles, o mais atrevido, agarrou uma banana que estava no chão. Um segundo, igualmente, avançou, tentando arrancar a maçã que uma das meninas tinha nas mãos. Quando o ameacei com o braço, arreganhou os dentes.
Explica-se, muitos nepaleses (e mesmo turistas) alimentam os bichos, ou seja, quando veem comida acham que é para eles.

Perseguidos pela macacada

Vamos sair daqui! — disse alguém.
Levantamo-nos, portanto, e fomos descendo a montanha em direção às bicicletas, seguidos pela macacada. Primeiro devagar, depois cada vez mais depressa,. Era evidente, afinal, que os símios estavam realmente decididos a roubar nossas provisões.
Nossa retirada, digna no começo, logo se transformou em uma debandada humilhante. Somente quando estávamos bem perto da estrada que rodeia toda a montanha onde fica o templo, a perseguição finalmente terminou. Ufa! Nem olhamos para trás. Aliás, cada um de nós pegou sua bicicleta e saiu pedalando o mais rápido que pode…

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Monkeys e monks

Posteriormente, no Brasil, li em um jornal uma matéria sobre esse templo. A autora afirmava que os monges poderiam avançar sobre as pessoas e arrancar frutas de suas mãos, como os macacos fizeram conosco. Ou até mordê-las. Arregalei os olhos. Os pacíficos monges tibetanos não interrompem suas meditações para morder pessoas. Espere aí…

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Essa não dava, portanto, para acreditar. Ou seja, examinando a matéria com mais atenção, vi, assim, que tinha sido traduzida do inglês. Até aí nada demais. O problema era que se trataa de uma péssima tradução. Apenas para exemplificar, a palavra monkey (macaco) fora confundida com monks (monge). Em suma, a autora confundiu os plácidos budistas com os ladrões de banana… E sequer percebeu o absurdo.

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Como lidar com os símios

Na Índia e no Nepal aprendi como os símios agem. Não se deve encará-los, pois podem ter reações agressivas. Os macacos de alguns templos na Índia por onde passei são, porém, mansos. Ou seja, limitam-se a cercar os turistas para ganhar amendoins vendidos por crianças precisamente para esse fim. Nos dois países, macacos são, aliás, sagrados. A mitologia hinduísta tem um deus-macaco, Hanuman, companheiro de Rama, cujos feitos são relatados em obras épicas, como o Ramayana. Hanuman é, aliás, um dos deuses mais venerados no Nepal.

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