Livro: A Vaca na Estrada

De Paris a Katmandu de carro – “A Vaca na Estrada” – Casamento à indiana

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Minha mãe sabe escolher

Conversando com meu amigo rajastani Ganga Singh, aprendi mais sobre o casamento à indiana… Muito curioso para nós brasileiros! Eu o conhecera na Índia em uma de minhas viagens. Ganga é um homem com formação acadêmica, que já viajara pela Europa. Com ele aprendi muito sobre a Índia. Fez-me, por exemplo, entender o enorme peso do casamento para os indianos. Os pais — a mãe, principalmente — têm a palavra final na escolha dos cônjuges dos filhos.
Ou seja, em muitas famílias, quase sempre da mesma casta, os casamentos são, portanto, resultados de arranjos.
Como você sabia que iria gostar de sua esposa, se foi sua mãe quem escolheu para você? — indaguei.
Minha mãe sabe escolher. — retrucou ele, com segurança.

De Paris a Katmandu de carro – “A Vaca na Estrada” – Casamento à indiana
“A Vaca na Estrada” – Casamento à indiana

Casamento à indiana: deixar minha mãe escolher minha esposa?

Não pude deixar de sorrir pensando o quão estranho seria para um brasileiro ou brasileira deixar a mãe escolher sua esposa ou marido. Aliás, mesmo que a escolha recaia sobre uma moça ou rapaz com muitas qualidades, como ficam a atração física e o amor? Um amigo brasileiro que assistira ao papo riu. “Prefiro me atirar no Ganges com uma pedra no pescoço do que deixar minha mãe escolher uma mulher para mim”.

Muito estranho…

Uma vez que estive no hotel de Ganga, era uma jovem dinamarquesa quem servia a mesa. Ela, que fora à India para estudar dança, trabalhava e morava no hotel de Ganga, ajudando a esposa dele. Tudo bem até aí. Mas quando ele me ofereceu uma carona até Delhi, levou a moça consigo. Disse-me que iam fazer compras para o hotel em Delhi, por ser mais barato.

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Uma relação curiosa

Em Jaipur, a moça tinha seu próprio quarto, no hotel de Ganga, mas em Delhi ambos ficaram hospedados no mesmo quarto do hotel Ashoka Yatri Niwas. Eu também estava nesse hotel. Porém, quando fui procurar meu amigo em seu quarto, no mesmo andar, vi de relance que havia uma só a cama. E, ainda mais, era de casal e bem arrumadinha. Num canto estavam duas pequenas bolsas trazidas por eles.
Tive muita vontade de perguntar a ele se sua esposa sabia sobre sua relação com a loirinha, mas faltou-me coragem. Seriam comuns na Índia situações como aquela? Ou meu amigo Ganga era uma exceção aos costumes? No Brasil, afinal, os homens ao menos escondem suas amantes. Lá, ela convivia com a família dele, aparentemente em perfeita harmonia. Estranhíssimo!

Os anúncios de candidatos a casório

Estava uma vez no United Coffee House com Bernard tomando meu café da manhã e dando uma folheada num exemplar do Times of India, quando notei os anúncios de casamento. Anúncios desse tipo existem em diversos países, mas na Índia eles são uma instituição.
Aliás, o que mais me chamou a atenção foi a menção às castas dos pretendentes como um dado tão relevante quanto idade, tipo físico ou qualidades morais. Ou seja, constava em todo tipo de anuncio!

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O mais interessante, porém, é que hoje, anúncios como esse, que mencionam algo arcaico como castas, são feitos, em número crescente, pela Internet. Os classificados têm milhares de anúncios matrimoniais, distribuídos pelos principais jornais indianos, divididos em duas seções básicas. Assim, uma delas é endereçada a noivas, a outra a noivos em potencial. Essas colunas são igualmente classificadas por subdivisões por castas e outras.

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Os bons partidos

Há especificidades como as seções NRI (non resident indians), destinadas a indianos que residem fora do país, às vezes por duas ou três gerações. Quando, porém, querem casar os filhos, põem anúncios em jornais na Índia. Afinal, os non resident indians são considerados geralmente ricos. Assim, os homens NRI são, portanto, “bons partidos”. E é fato que os indianos de pequena-burguesia ou classe média apreciam bastante poder viver na Europa, sobretudo na Inglaterra. Mas, ao mesmo tempo trazem surpresas: a esposa nascida e criada na Índia, casada com NRI estabelecido em Nova York poderá ser obrigada a coisas que nunca fez antes. Em suma, lavar roupa e cozinhar. Ou seja como fazem as norte-americanas e também em boa parte do mundo Ocidental.

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Por que os anúncios?

Porque o namoro praticamente não existe. Ou melhor, existe discretamente nos meios universitários e entre o pessoal mais moderno. Casamento e procriação, em suma, são algo seríssimo para os indianos. Não podem, portanto, ser deixados nas mãos de pombinhos inexperientes. A escolha é, assim, feita pela família e depende de uma infinidade de fatores.

Religião e horóscopo em primeiro lugar

Em primeiro lugar vem a casta, em segundo lugar a religião. Casamentos entre pessoas de religiões diferentes são, aliás, mais raros do que aqueles entre subcastas diversas. Além da subcasta e da religião outros aspectos são igualmente considerados. O idioma, por exemplo, já que na Índia cada região tem sua língua. Ou seja, em Delhi, por exemplo, fala-se hindi, em Calcutá, bengali.

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O que pesa na escolha

Também pesa, é claro, a situação econômica dos noivos. Afinal, há até brâmanes pobres. Acrescentemos ainda hábitos alimentares: há indianos vegetarianos — vishnuístas — e não vegetarianos – shivaístas.
Finalmente, os mapas astrais dos pretendentes têm da mesma forma que combinar. Aliás, o horóscopo e as conjunturas astrais são tão importantes que determinam até o dia e a hora do casório.

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Astrôlogo, personagem fundamental

Quando os pais decidem que está na hora de casar seus filhos, o que rola na família é um verdadeiro corte e costura, com a parentada toda, avós, tias, velhos amigos da família, todo mundo chamado a dar palpite. Mas, a opinião que tem forte peso é mesmo a do astrólogo. Ou seja, os mapas astrais da moça e do candidato têm que combinar para que o casamento tenha chance de dar certo.

Pais selecionando perfis…

Um anúncio pode receber centenas de respostas, com perfis. Em alguns casos, aliás, os pais, quando mais liberais, apenas selecionam os anúncios e o noivo realiza ele mesmo as entrevistas. Esse processo pode, enfim, tomar meses ou até anos. Finalmente, tendo o noivo escolhido sua Julieta, os parentes de cada família conversam finalmente entre si. E haja papo!

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Em meios mais conservadores, muitas vezes, os últimos a serem apresentados são os próprios noivos. Imagine-se, portanto, você, brasileiro, vivendo uma situação dessas.
Quando há algo errado, ou quando, depois de tudo pesado, a família conclui que o pretendente não tem muito a ver, buscam uma saída elegante. Alegam, por exemplo, que as disposições astrais são incompatíveis. Nos meios urbanos mais modernos, os noivos podem, quase sempre, recusar a escolha feita pela família. Já nos meios rurais tradicionais, porém, noivos e noivas não têm opção; devem aceitar o que a família resolveu.

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Enfrentando tabus

Uma amiga brasileira que trabalha numa multinacional e vai muito à Índia a trabalho me disse que três indianos da equipe por ela coordenada, de mentalidade mais moderna, se casaram com moças de castas mais baixas. Outro se casou com uma cristã. Teve, portanto, que sair de casa e o pai não lhe dirige mais a palavra. Um quinto colega queria seguir o exemplo, mas o pai vetou. O chamado love marriage ainda encontra sérias resistências. (“Casar-se por amor? Ficou louco, meu filho?”)

As festas de casamento

As festas de casamento são longas e os rituais, intermináveis. No dia do casamento o noivo noivo monta uma égua branca e é seguido por uma longa procissão de amigos e parentes que vão de sua casa à casa da noiva, cantando e dançando. Aliás, já vi festas assim nas minhas viagens pela Índia, uma vez ao lado da Jan Path Road em Delhi. O costume exige que a noiva vista um sari vermelho bordado com fios de ouro e porte suas melhores joias.

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Quando os noivos se encontram, trocam guirlandas de flores e recebem as bênçãos dos parentes e amigos.
Em seguida a maioria dos convidados vai embora. Só ficam familiares e um ou outro amigo íntimo, para assistir à cerimônia final, em torno de uma fogueira, ao som de hinos védicos recitados por um brâmane. É chegada, assim, a hora em que a noiva finalmente se despede de seus pais e de sua casa.

Um casamento caro

Festas assim não são baratas, mesmo para as famílias de maior poder aquisitivo. Dessa forma, muitas famílias chegam até mesmo a contrair pesadas dívidas para pagar o banquete, a festança, os brâmanes encarregados dos rituais sagrados que também são pagos (e bem pagos), os astrólogos, as carpideiras, a decoração… E até mesmo a égua branca!

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É o momento de intensa choradeira para a qual, para garantir lágrimas suficientes capazes de demonstrar a enorme perda que significa para a noiva deixar a casa paterna, até carpideiras são contratadas. Nos programas humorísticos da televisão, alguém diz algo engraçado e escutamos um coro de gargalhadas. São pessoas pagas para rir. As carpideiras são pagas para chorar. Não são profissões estranhas?

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Os recém-casados, acompanhados pela família do noivo, partem então em um carro decorado ou numa liteira, esgotados pelos cansativos rituais. Posteriormente um quarto é especialmente preparado para o casal. Assim também, um copo de leite com afrodisíacosde todo tipo é deixado na mesa da cabeceira para o noivo beber. Já tinham viagra?

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O dote, a noiva e a sogra

Uma instituição matrimonial que persiste, apesar de desencorajada pela lei, é o dote: a família do noivo simplesmente estabelece um preço para o bonitão. As famílias mais pobres endividam-se para pagar o dote da filha. Mesmo assim, em casos extremos, as noivas podem ser espancadas se o dote oferecido por sua família não for considerado suficiente pela família do noivo, que passou a arcar com o sustento da moça. E se ficar viúva, não é respeitada por não ter ocupação.

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Na Índia a situação da mulher é melhor do que no Paquistão. Nem tanto, porém. Eventualmente, recém-casados vão morar com os pais do marido. Desse modo, a vida das jovens esposas pode virar um inferno nas mãos das sogras. Muitas tornam-se verdadeiras serviçais da casa e ainda sofrem maus tratos ou não recebem assistência quando doentes. Afinal, se morrerem, azar delas. Uma nova esposa e um novo dote aguardam o filho. Será que a má fama das sogras originou-se na Índia?

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