Livro: A Vaca na Estrada

017 De Paris a Katmandu de carro – “A Vaca na Estrada” – Rumo ao Pendjab, na Índia

O balé da fronteira

De Lahore seguimos rumo ao Pendjab, na Índiana direção leste, para Amritsar. É a primeira cidade indiana do outro lado da fronteira. O fechamento da fronteira no final do dia é um espetáculo que atrai muitos turistas. As duas guardas, a paquistanesa e a indiana oferecem aos turistas um espetáculo. Ou seja, em perfeita sintonia executam um verdadeiro balé. Tudo em perfeita sincronia, com passos cadenciados.

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Assim, levantam as pernas bem alto — a impressão é que vão atingir os rostos um do outro. Em seguida batem calcanhares. Depois trocam um aperto de mão. Em seguida, fecham juntos o gradil na passagem entre os dois países. Enquanto os respectivos pavilhões nacionais são baixados vagarosamente. Então, de cada lado da fronteira os espectadores gritam “Hindustan, zindabad!” (“Viva a Índia!”) e “Pakistan, zindabad!” (“Viva o Paquistão!”).

A Liga Muçulmana

A fação que reunia os islâmicos das Índias, foi fundada em 1906. Ela pregava a fundação de um estado muçulmano autônomo. Claro, no caso de as Índias se tornarem independentes. Seu líder era Mohammed Ali Jinnah, um homem rico, elegante e educado em universidades inglesas. Ele era, entretanto, um muçulamano pouco ortodoxo. Ou seja, a ponto de beber uísque e comer carne de porco. Não levava igualmente a sério outras restrições do Corão. Jinnah, até 1937 pertencera ao Partido do Congresso. Procurara, assim, a união de muçulmanos e hindus. Posteioirmente, porém, rompeu com Gandhi e Nehru.

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O rompimento entre muçulmanos e hindus

Ou seja, Jinnah discordava da doutrina de desobediência civil do Mahatma. Reclamava também da representação desproporcional dos muçulmanos dentro do Partido.
Assim, encampou a ideia de criar o Paquistão, a “Terra dos Puros”. Seria um estado islâmico independente, do qual se tornou partidário fanático. Imediatamente após o término da Segunda Guerra Mundial, a Liga Muçulmana lançou sua ofensiva.

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A Jornada de Ação direta

Os muçulmanos começaram pressionando os ingleses e os hindus do Partido do Congresso. Ameaçou, assim, incendiar todo o país se um estado islâmico independente não lhes fosse concedido. Para demonstrar essa disposição, lançou em 1946 a “Jornada de Ação Direta”. Um episódio sangrento, em que grupos muçulmanos armados massacram milhares de hindus. Um erro estratégico, aliás. Afinal os hindus, muito mais numerosos. Ou seja, revidaram, atacando os muçulmanos e incendiando suas lojas e casas. Os hindus do Partido do Congresso, temerosos de outras chacinas, viram-se portanto, obrigados a aceitar a imposição da Liga Muçulmana.

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Nascia o Paquistão

Dessa forma, surgia o Paquistão, um país com dois territórios (ou seja, o Paquistão Ocidental e o Oriental). Bem no meio ficava a Índia. (Nota do autor: veja o mapa). Em outras palavras, a animosidade entre os dois países, consequência de rivalidades religiosas, se tornou latente. Ou seja, ainda hoje ocorrem aqui e ali, em todo o antigo Império Britânico das Índias, massacres desse tipo.

Uma partilha difícil

Na época da independência, entre cada quatro súditos do Império das Índias, um era muçulmano. A reivindicação de um território próprio para eles colocava-se, entretanto, como uma difícil realidade. Exceto na região de Bengala e no oeste do império, as duas comunidades se interpenetravam. Em outras palavras, eram necessários limites precisos à nova fronteira. Ou seja, seguir o curso dos rios e ter acidentes naturais como referências. Assim, havia verdadeiras “ilhas” muçulmanas rodeadas por maioria hindu e vice-versa.

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A maior troca de populações da História

Desse modo, Lahore integrou-se ao Paquistão e Amritsar, à Índia. Os massacres ocorridos, foram consequência da maior troca de populações da história da Humanidade. Aliás, o próprio Gandhi afirmara, nunca existiria uma Índia só hinduísta, nem um Paquistão totalmente muçulmano. Ou seja, ainda hoje, na Índia, 13% dos indianos ou cerca de 140 milhões de pessoas são muçulmanos. Enfim, uma das maiores populações islâmicas do planeta.

Percorrendo estradas palco dos massacres religiosos

A estrada pela qual rolávamos entre Lahore e Amritsar fora no final da década de 1940, cenário dos piores massacres no doloroso parto da Índia e do Paquistão. Radicais hindus e sicks massacraram retirantes muçulmanos que partiam para o Paquistão. Homens, mulheres e crianças foram degolados friamente. Do mesmo modo, mulçumanos massacraram hindus que rumavam para a Índia.

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Esta noite a liberdade

Olhando pela janela do carro aquela paisagem semidesértica, eu ficava imaginando o horror que deve ter sido tudo aquilo. Coincidentemente, eu estava lendo “Esta Noite a Liberdade”. O livro é um trabalho jornalístico de Dominique Lapierre e Larry Collins. A obra detalha as barbaridades cometidas por todos os grupos religiosos. Aliás, cada massacre gerava mais ódio e desejo de vingança de parte a parte. Um livro que recomendo!

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Uma violência insana e sem limites

Seitas extremistas hindus e sikhs, de um lado, radicais da Liga Muçulmana, de outro, cometeram bararidades. Assim, degolaram pessoas, ou as matavam a pauladas. Igualmente, estupravam as mulheres, aniquilaram famílias inteiras que tentavam fugir de suas aldeias. Radicais religiosos atacavam colunas de pobres diabos. Da mesma forma detinham trens lotados que viajavam entre Lahore e Amritsar. Assassinavam seus passageiros, mesmo mulheres e crianças, a tiros ou golpes de punhal.

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Monstruosas migrações

Todas as comunidades praticaram contra seus vizinhos as mais impensáveis crueldades. Mais a violência aumentava, mais se procurava fugir para suas respectivas zonas de maioria religiosa. Isso gerava monstruosas migrações.
Os sikhs foram particularmente ferozes, devido ao caráter mais militante de sua seita. Aliás, tinham em geral experiência militar. Afinal, muitos de seus membros, serviram o exército britânico das Índias.

Credor morto não é pago

Os muçulmanos, em alguns casos, tiveram motivações de ordem financeira. Dominados economicamente por usurários hindus, ao matá-los ou expulsá-los, aproveitavam para se livrar de dívidas. Se cliente morto não paga, credor assassinado, igualmente, não cobra nem recebe.

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Nota antiga de rúpia paquistanesa

As minorias hindus e os muçulmanos

Ao mesmo tempo, porém, os muçulmanos foram, às vezes, mais tolerantes com as minorias hindus. Em suma, ofereceram-lhes a oportunidade de partir abandonando os bens. Ou de se converterem ao Islamismo para escapar à morte. Aos hindus que declaravam aceitar a nova religião, era exigido que comessem carne de vaca, sagrada para eles. Nesse momento, muitos optaram pela morte. Em resumo, matavam os filhos e se suicidavam-se em seguida.

Os párias, os que mais foram perdoados pelos muçulmanos

Essa mesma chance, entretanto, não era oferecida aos muçulmanos; Afinal, o hinduísmo não aceita conversões. Ou seja, para ser hindu é preciso nascer hindu. Os muçulmanos foram, igualmente, condecendentes com os hindus mais miseráveis. Falo dos intocáveis ou párias. Existia, entretanto, nesse caso, uma razão bem pragmática para essa condencendência. Afinal, no Império das Índias, os intocáveis realizavam os piores trabalhos. Em suma, limpavam latrinas, consertavam esgotos, recolhiam o lixo, cremavam mortos. Continuariam a fazê-lo nos recém-nascidos Índia e Paquistão. Se exterminassem os párias por serem hindus, todo o Paquistão atolaria na imundície e na peste. Corpos apodreceriam nas ruas. Para os párias também, a opção não era de todo má. No islamismo deixavam de ser párias. Com alguma habilidade poderiam praticar outras profissões.

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Os colossais problemas resultantes do desmembramento

As migrações geraram colossais problemas sociais e econômicos para a integração de refugiados. Afinal, acabaram indo parar em uma nova pátria. Um país distante de onde haviam nascido e sempre vivido. Foram, igualmente, obrigados a abandonar quase todos seus bens. Em suma suas casas, seus bens, sua profissão. Precisavam, portanto, recomeçar uma nova vida do zero.

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Os campos de refugiados

Só para ilustrar, muitos tinham medo de tomar um trem, que poderia ser detidos e todos massacrados. Assim milhares de pessoas morreram nos campos de refugiados. De fome, sede, cólera ou exaustão. Foi, portanto, um horror. Desesperados, paupérrimos, esses coitados sem perspectivas eram obrigados a fugir a pé mesmo. E ainda mais, transportando suas tranqueiras nas costas. Quem possuia um camelo já era um privilegiado.

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Chegando só com a roupa do corpo

E, ainda mais, sob o sol tórrido do verão do subcontinente indiano. Para piorar, num ano em que as chuvas de monções demoraram a chegar. Do outro lado daquela fronteira artificial, onde antes era seu país, tornaram-se estrangeiros odiados. Chegavam famintos, sem casa, sem trabalho. Tinham perdido parentes próximos, quase todos os bens. Muitos apenas com a roupa do corpo.

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