Livro: A Vaca na Estrada

07 De Paris a Katmandu de carro – “A Vaca na Estrada” – Herat

O primeiro encontro com o Afeganistão

Perto da fronteira iraniana, Herat é um dos principais centros urbanos afegãos. Para os parâmetros brasileiros, porém, apenas mais uma cidadezinha. Herat foi meu primeiro encontro com o Afeganistão. A cidade se resumia a um conjunto de construções baixas; sem charme. A maior parte dos imóveis, aliás, não ultrapassava dois andares. Aliás, em Herat, maioria das ruas não tinha sequer calçamento. Ou seja nenhum traço arquitetônico particular se destacava.
Abaixo: Mapa da região de Herat

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A Vaca na Estrada” – Herat

Um hotel afegão

Ali encontramos, Bernard e eu, um hotel simpático e barato —ou seja, fatores relevantes para viajantes de orçamento apertado como nós. Os quartos bem simples, eram, porém, satisfatoriamente limpos. Ou seja tinham duas camas, prateleiras, criado-mudo, um espelho: o básico. E, o que é importante, banheiro decente. Na sala acarpetada do térreo onde eram servidos o chá e as refeições havia mesinhas baixas, almofadões, panos e grandes bandejas de cobre cinzentado nas paredes.

A Vaca na Estrada” – Herat

Hash, sexo e rock’n’roll

Se em algum momento eu tive a ilusão de que iria escutar música local, enganei-me. Em suma, o dono do hotel só colocava música ocidental para tocar. Geralmente rock. Em suma, Beatles, Rolling Stones e outros antigos sucessos que agradavam a moçada mochileira. Eram cds conseguidos a troco de banana com hippies quebrados. Estes voltavam da Ásia por terra, sem dinheiro, se desfazendo, assim, de seus pertences por uns poucos dólares.

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De Paris a Katmandu de carro “A Vaca na Estrada” – Herato hash liberado há décadas

Fumaça adocicada

No ar, o perfume de incenso se misturava ao adocicado odor do haxixe, um subproduto da cannabis sativa. Ou seja, era fumado livremente. A moçada fumava em mesas do salão em cachimbos conhecidos como narguille. Esses curiosos objetos contém água para esfriar a fumaça. Aliás, servem também para fumar tabaco.
Não será necessário, portanto, mencionar que em outros locais por nós percorridos, o consumo dos subprodutos da cannabis, em público era comum. De qualquer modo, cada um fumava quieto em seu canto. Resumindo, sem incomodar, como fazem certos bêbados. Além de rock e hash rolava sexo e muita paquera. A moçadinha liberada, longe da família e de seu meio social aproveitava. Escutavam um som, fumavam. Depois, quase levitando, os casais subiam para os quartos, um sorriso maroto nos lábios.

De Paris a Katmandu de carro “A Vaca na Estrada” – Herat – O narguilé

O verdadeiro problema: o ópio

O haxixe e também a maconha, na verdade, nunca chegaram a ser um problema. Afinal, a cannabis, é considerada hoje, até mesmo pela ONU, como inofensiva. Em suma, está liberada na Europa, Canadá e boa parte dos USA. O perigo era, portanto, o ópio. Ou seja, a agricultura tradicional do Afeganistão é pouco rentável. Dessa forma os camponeses se voltaram para a produção da papoula. Com ela se fabrica o ópio e igualmente a heroína. Essa sim uma droga pesada, maligna. Inegavelmente, não é fácil erradicar a produção de ópio. Afinal, milhares de miseráveis sobrevivem de seu plantio. E, ainda mais, não foi oferecida alternativa a esses pobres diabos.

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De Paris a Katmandu de carro “A Vaca na Estrada” – Herat

O ópio financiando a guerra

Aliás, desde a invasão norte-americana, a exportação de ópio aumentou. Curiosamente, quando estava no poder, o Talibã conseguiu certo sucesso no combate à produção de ópio. Posteriormente, após a invasão dos EUA, os lucros desse comércio passou para as mãos de terroristas. Dessa forma, acabou financiando os Senhores da Guerra, chefes tribais todo-poderosos e corruptos.

Os menus afegãos

Nos restaurantes frequentados por estrangeiros, constavam no menu, é claro, pratos afegãos. Era o caso do arroz com legumes, passas e carne de carneiro picada. Havia, porém, comida ocidental. Era apelidada de freak’s food (“comida de maluco…). Esta era, em suma, destinada a peitar qualquer larica. Assim, tínhamos filés com fritas, milk-shakes, bolos de chocolate… Aprenderam inclusive a fazer pizzas. E, até que decentes!

A Vaca na Estrada” – Herat

Uma variedade de pratos saborosos

Enfim, a comida afegã tinha mais variedade de pratos simples e saborosos. Ou, pelo menos, mais do que imaginávamos a princípio, logo que chegamos ao país. O cordeiro shishe-kebab, por exemplo, fazia sucesso entre a moçada mochileira.
Logo que chegamos, ficamos sabendo de um hotel de luxo, com piscina. Era fora da cidade, aberto aos ocidentais, fossem hóspedes ou não.

De Paris a Katmandu de carro “A Vaca na Estrada” – Heratcomida afegã

Um mergulho na piscina

Assim, sem estarmos hospedado ali, fomos diretamente para a piscina. Claro, depois de deixar um bashish para o guarda na entrada. O bashish, é uma instituição oriental. A palavra significa presente, gorjeta, esmola ou até propina, como em Brasília…
O hotel estava vazio. Somente nós e dois casais vindos da Espanha em uma Kombi, usávamos a piscina. Os espanhóis tinham, aliás, percorrido um caminho semelhante ao nosso e parado, depois de passar pela Iugoslávia, nas mesmas cidades que nós.

Herat

Do deck, apreciamos um pôr-do-sol lindo. Herat fora minha inesquecível porta de entrada no Afeganistão. Uma pena, portanto, que tenha se tornado palco de violentos combates entre insurgentes talibãs e a OTAN.
Estávamos cansados de rodar horas todos os dias pelas estradas da Ásia. Dessa forma, a semana que passamos em Herat foi como se estivéssemos de férias.

De Paris a Katmandu de carro “A Vaca na Estrada” – Herat

Aproveitando

Percorríamos as ruas da cidade, acompanhávamos o trabalho de artesãos em ateliês e igualmente nas feiras. Ou, então, ouvíamos música no salão de nosso hoteleco. Quase todo dia, igualmente, bronzeávamo-nos à beira da piscina do tal hotel elegante. O clima era ótimo. Assim, aproveitávamos o sol e as temperaturas amenas da tarde. Afastados da cidade de ar decadente, era um luxo! Em suma, aproveitávamos tudo o que tínhamos direito.

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De Paris a Katmandu de carro “A Vaca na Estrada” – Herat

Os outros viajantes

Pudemos também trocar ideias com outros viajantes. Assim, duas italianas, acabaram dividindo conosco um pequeno apartamento. Ficava no terceiro andar do hotel e possuía até mesmo um terraço. Dividir um mesmo quarto, com as viajantes era algo comum, quase um costume. Muitos devem estar se perguntando: e aí? Já que querem mesmo saber… Bom, as vezes rolava paqueras, namoricos… Outras vezes todo mundo amiguinho…

A Vaca na Estrada” – Herat

Rumo a Katmandu em velhas kombis

A maioria dos estrangeiros se dirigia, como nós, a Katmandu, e tinha mil expectativas sobre a viagem. A maioria deles, ao contrário de nós utilizavam kombis para fazer essa viagem, com visuais que, às vezes, nos surpreendiam. Algumas estavam literalmente caindo aos pedaços. Aliás, nos perguntávamos, as vezes, como conseguiram chegar tão longe. Outros eram novas, pintadas de cores extravagantes.

De Paris a Katmandu de carro “A Vaca na Estrada” – Herat

Mulheres afegãs

As mulhers afegãs andavam sempre com o rosto coberto com um véu na altura dos olhos. Muitas, igualmente, cobriam todo o corpo. Escondiam-se, portanto, da cabeça aos pés, sob uma vestimenta negra, a burka. Não havia, aliás, nem mesmo uma abertura para os olhos. Apenas uma renda que lhes permitia enxergar alguma coisa — ou a sombra de alguma coisa.
O dono do hotelzinho em que estávamos hospedados falava inglês relativamente bem. Pude portanto, conversar com ele e aprender algo sobre os costumes locais.

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De Paris a Katmandu de carro “A Vaca na Estrada” – Herat: mulheres afegãs

Burka

Eu lhe disse que os ocidentais consideram a burka um absurdo.
Em meu país ninguém reclama de mulher com pouca roupa — disse eu, em tom de brincadeira. O afegão fez uma careta:
É, mas não são mulheres para casar — respondeu ele.
Não para casar com afegãos — corrigi.

De Paris a Katmandu de carro “A Vaca na Estrada” – Herat

O país do apartheid sexual

A impressão que me causou esse apartheid sexual foi, confesso, bem desagradável, aliás. Ou seja, os afegãos não entendem a convivência entre homens e mulheres. Não percebem, portanto, que a liberdade da mulher é boa, afinal, para ambos os sexos.
Continuando o papo com o dono do hotelzinho, ele confidenciou-me que esperava, com a renda de seu estabelecimento, pagar o dote de uma esposa.
Talvez em mais dois ou três anos.

De Paris a Katmandu de carro “A Vaca na Estrada” – Herat

Economizar para comprar uma esposa

Logo, muitos afegãos trabalhavam até vinte anos de suas vidas, economizando centavo por centavo, para conseguir o suficiente para ter uma esposa. Na prática, porém, entre o povão, somente os mais velhos acumulavam o capital para a compra de uma jovem esposa.Enfim, compra é a palavra certa. Dessa forma, víamos sempre homens idosos com moças novas. Algumas, aliás, com não mais de uns doze anos. Uma propriedade, quase uma escrava.

De Paris a Katmandu de carro “A Vaca na Estrada” – Herat

Os valores morais dos talibãs

Já naquela época poucas meninas frequentavam escolas. Posteriormente, com a tomada do poder pelos talibãs, foram simplesmente fechadas. Surgiu o Ministério da Virtude e Supressão do Vício. Eram encarregados de impor a sharia, ou lei islâmica. Deviam, dessa forma definiam como as pessoas deveriam se comportar. Em suma, mulheres foram proibidas de trabalhar fora, os homens tiveram que deixar a barba crescer. Ninguém, portanto, podia mais ouvir música ocidental, as poucas salas de cinema de Kabul foram fechadas.

De Paris a Katmandu de carro “A Vaca na Estrada” – Herat

Cerveja pecaminosa

Beber uma cerveja tornou-se um crime punido com chicotadas em público. Mal sabia o infeliz proprietário do hotel que os tempos de paz estavam acabando. Logo, muito em breve, seu hotel fecharia por falta de hóspedes. Em outras palavras: no turists, no dollars! Afinal, se existe algo que turista detesta, é guerra. Em suma, esse belo país que tanto amei, teria suas portas fechadas ao turismo.

A Vaca na Estrada” – Herat
A cerveja proibida

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