Rumo a Band-I-Amir
Em Kabul, conversando com outros viajantes nos falaram de Band-I-Amir. Ou seja um deserto de altitude a mais de 3.000 ms cercado de lagos azulíssimos. Enfim, tratava-se de um lugar sobre o qual os estrangeiros contavam maravilhas. Na primeira vez que ouvi falar em, Band-I-Amir, o próprio nome me pareceu estranho. Era belo, algo bíblico, difícil de ser alcançado, assim como as tais minas do rei Salomão.
Abaixo: Mapa da região de Bamyan, entre Kabul e Band-I-Amir
Um desafio
Um desafio, portanto, para aventureiros como nós. Tínhamos, afinal, todo o tempo do mundo. Por que não seguir rumo a esses famosos lagos? Kabul era agradável. Levámos uma vida mansa e despreocupada. Curtíamos a vagabundagem pelos mercados, o chá indolente no Mercedes. Apreciávamos a social life entre mochileiros, fazíamos novas amizades. Quase sempre íamos passear com amigas francesas ou italianas. Apesar disso, depois de um tempo nos deu vontade de pegar estrada novamente.
O apelo da estrada
Era dessa forma que as coisas funcionavam. Ou seja, podíamos realmente adorar um determinado lugar ou cidade. Depois de algum tempo, entretanto, o apelo da estrada se fazia sentir. Além disso, mochileiros com os quais fizemos amizade no hotel nos mostraram umas fotos de Band-I-Amir e seus lagos de altitude. Elas nos deram água na boca. Queríamos, portanto, ver aquilo de perto.
Os lagos nos esperavam
Assim, durante uns três dias, falamos em partir. Um dia, finalmente, tomamos vergonha na cara e nos decidimos. Assim, levantamos cedo, tomamos o café da manhã e começamos logo a preparar nossas coisas. Os tais lagos azulíssimos do deserto de Band-I-Amir nos esperavam. Estávamos super curiosos, imaginando como seriam lagos assim em pleno deserto. E ainda mais, situados a mais de três mil metros de altitude.
O motor fraquejando
Tivemos dificuldade para subir as montanhas. Nosso carrinho fraquejava, o motor falhava. A solução veio na forma de um lento, mas possante, caminhão de fabricação soviética, que nos rebocou montanha acima. Claro, mediante um bashish pago ao motorista. Alguns trechos de rochedos desbarrancados foram complicados de atravessar. Mas conseguimos! Enfim, o resto do terreno, após a subida da serra, era menos inclinado e o Renault aguentou.
Bamyan, a mais de 3.000 ms
Estávamos a 3.000m de altitude. Assim, do alto, víamos o quanto havíamos subido. As montanhas, secas, desprovidas de vegetação, sucediam-se em degraus atrás de nós.
No final da tarde, finalmente, chegamos a Bamiyan. Já era metade do caminho para Band-I-Amir. O lugarejo, na época, possuía apenas algumas casas de adobe. Foram construídas dos dois lados da estrada, que era também a rua principal do povoado. Nela ficava nosso “hotel”, um casarão degringolado.
Chá quente junto da lareira
Famintos e gelados, encaramos com prazer um chá quente junto à lareira. da sala. Um pouco mais tarde, serviram o jantar: cabrito com legumes. Comemos numa grande mesa de madeira, com meia dúzia de estrangeiros. Enquanto isso o afegão proprietário do hotel tocava uma espécie de guitarra. A música, a lareira e os papos ajudavam assim, a criar um ambiente muito aconchegante.
Escorpião no quarto
Dada a simplicidade do local, ficamos felizes, no dia seguinte, quando pudemos ter água quente para um banho. Enfim, trazida em baldes. Só não foi muito agradável encontrar um escorpião no quarto. Depois, vim a saber, que esses bichos eram comuns na região. Assim, passamos a inspecionar cuidadosamente nosso quarto antes de dormir. Revirávamos até os lençóis, travesseiros e cobertores. Em uma das vezes encontramos, de fato, um escorpião minúsculo sob um armário. Os mais venenosos, aliás, são justamente os menores.
Os Budas de Bamiyan
Incrustadas nas montanhas, perto de nosso hoteleco, ficavam as famosas estátuas de Buda, em estilo Gandhara, esculpidas no século VI na face de um rochedo. A maior delas, porém, estava mal conservada e tinha o rosto semidestruído. Ambas eram, entretanto, impressionantes pelo seu tamanho. Por que construíram tão belas esculturas em um lugar tão inóspito?
O Budismo desapareceu no país. As magníficas estátuas, porém ficaram ali intactas durante muitos séculos. Logo, porém, os fanáticos do Talibã, assim que o grupo radical subiu ao poder, resolveram dinamitá-las. O faziam em nome de sua fé radical, em 2001. Estavam, em suma, destruindo tudo que fosse ligado à outra religião. Fiquei deprimido por ver até onde a imbecilidade humana pode chegar.
O patrimônio pagão destruído pela Igreja na Europa
Lembro-me de ter visitado na Europa ruínas de templos pagãos do Império Romano. Foram destruídos pela Igreja Católica, quando consolidava seu poder na Europa. Um belo e gigantesco patrimônio arquitetônico e cultural foi, dessa forma, destruído. Atos igualmente tão sem sentido quanto os cometidos pelo Talibã. A diferença é que os talibãs fazem isso hoje, não há dois mil anos!
Nosso Renault devidamente “curado”
No outro dia, logo cedo, levamos o Renault para a oficina. O mecânico afegão consertava quase todos os tipos de veículos do mundo. Ou seja, russos, japoneses, americanos, europeus. Ao vê-lo não botei muita fé. Quando, porém, por volta de meio-dia, passamos na oficina, o carro estava ótimo. Foi como se tivesse sarado de uma pneumonia. A segunda surpresa, porém, foi o preço: nós quase caímos duros: uns quinze dólares, uma fortuna no Afeganistão da época.
O povo das cavernas
Junto a Bamiyan havia cavernas habitadas pelo povo pobre do lugar. Sim, cavernas, como as do homem pré-histórico. As mulheres, principalmente, quase não saiam de dentro delas. Quando, aliás, o faziam, entravam correndo e cobrindo o rosto tão logo nos avistavam. Ou seja, mulheres casadas decentes, nesse lugar perdido do Afeganistão não mostram o rosto para qualquer um. Em suma, só os homens iam à “cidade”.
A estrada do fim do mundo
De Bamiyan para Band-I-Amir, a estrada era de terra. Por sorte, porém, especialmente bonita, com grandes desfiladeiros, verdadeiros cânions. Existiam igualmente construções que lembravam fortins, mas eram na realidade silos altos, protegidos por muros, onde guardavam cereais para os meses mais frios. Nessa região, aliás, nevava durante o inverno e o frio era brutal.
Os irmãos da estrada
Às vezes, rodávamos junto a riachos ladeados por vegetação. Era quando atravessávamos as únicas áreas habitáveis nesse deserto de altitude. Nessas áreas encontrávamos nômades com seus rebanhos. Em alguns trechos a “estrada” desaparecia. Dividia-se, assim, em trilhas que contornavam pequenas elevações. Nós a reencontrávamos mais adiante. Algumas poucas vezes cruzávamos com carros europeus. Já era praxe: acenávamos e cumprimentávamoss os irmãos da estrada com toques de buzina. Era gente, em carros e, sobretudo, em kombis. Como nós também vieram da Europa ao Afeganistão. Muitos seguiriam até a Índia e Nepal.
Band-I-Amir
A chegada a Band-I-Amir foi um choque de beleza. Só para ilustrar, no meio do deserto de tons amarelos e marrons, topamos repentinamente com aqueles lagos de azul intenso. O mais interessante no deserto de Band-I-Amir é que não era ocupado por monótonas dunas, mas por um belíssimo e acidentado relevo. O contraste entre o azulão dos lagos e os tons amarelados do deserto impressionava!
Barragens naturais
Os lagos eram verdadeiras barragens naturais. Ficavam em diferentes níveis, com terras mais baixas em volta. Os “muros” naturais mantinham a água represada mais acima. Assim, os afegãos cavavam brechas na parte superior das barragens, por onde deixavam a água vazar. Utilizando-a para mover moinhos serviam, igualmente como bebedouros para cabras, cavalos e camelos.
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Sigam esta aventura de carro pelas estradas da Ásia. Atravesse o Oriente mágico e éxotico que encantou milhares de jovens europeus. Uma experiência vivida pelo autor do livro “A Vaca na Estrada” por países como Turquia, Irã, Afeganistão, Paquistão, Índia, Nepal
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