Livro; O Ouro Maldito dos Incas

013 – Anno de 1531 – “O Ouro Maldito dos Incas” – As pedras verdes e estranhos tumores

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“O Ouro Maldito dos Incas” – As pedras verdes e estranhos tumores

Esmeraldas ou vidro

Vimos entre as pedras preciosas capturadas igualmente gemas verdes. Muitos, de nós, entretanto, não quiseram creer que fossem preciosas. Alguém, aliás, disse que esmeraldas não se quebravam quando marteladas. Assim, parte dos homens, tentando descobrir se eram realmente esmeraldas, começou a despedaçá-las com uma pesada pedra. Meu primo foi um dos que acreditaram:
É apenas um vidro duro!

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“O Ouro Maldito dos Incas” – As pedras verdes e estranhos tumores

Imitando o frade

Percebi, entretanto, um frade recolhendo diversas pedras e as guardardando numa bolsa. Assim, na dúvida, fiz o mesmo. Já ouvira, aliás, falar que ele era o único capaz de reconhecer uma gema autêntica. Ia avisar meu primo para que também pegasse esmeraldas para si, mas hesitei. Pablo era falante capaz de dar com a língua nos dentes. Azar dele.
Tratei dessa forma, a guardar um bom número de pedras. Um dos soldados que me viu separando as gemas perguntou:
Para que as conserva, se não são esmeraldas?

“O Ouro Maldito dos Incas” – As pedras verdes e estranhos tumores

Pensei rápido:
Para impressionar as putas em Sevilha. Digo que são esmeraldas e passo a noite com a mulher.
Muito tempo depois, aliás, descobriríamos que eram de fato esmeraldas. Aqueles soldados ignorantes e precipitados, entre eles meu primo e o galego Carlos, destruíram, dessa forma, uma pequena fortuna em pedras preciosas!

Tambores de peles humanas

Ao percorrer, com Ortiz e meu primo, a aldeia deserta, vimos uma pequena fortaleza e, igualmente cerca de quatrocentas choupanas. Havia também na aldeia templos onde deparamos tambores. No início não entendemos nada. Logo o cacique capturado nos disse que eram feitos de pele humana. A ideia nos horrorizou, mas esse era apenas uns dos castigo mais comuns imposto pelos incas aos povos submetidos: arrancar a pele dos vencidos.

Ouro para o Panamá

Uma das primeiras providências de Pizarro foi enviar o ouro saqueado para o Panamá em um navio comandado por Bartolomeu Ruiz. Hernando, Gonzalo e outros questionaram a medida. Pizarro, porém, explicou que seria útil para calar a boca do governador do Panamá e dos que não acreditavam em nosso sucesso. Isso facilitaria igualmente o recrutamento de voluntários.

“O Ouro Maldito dos Incas” – As pedras verdes e estranhos tumores

Nada como o ouro para atiçar essa gente , comentou o capitão olhando para nós. – Com isso logo chegarão reforços. Esperemos!
Embora, pouco depois da partida de Ruiz, um navio tivesse chegado com soldados,cavalos e provisões, tivemos, porém, que permanecer oito meses em Coaque à espera de mais tropas, armas e montaria. Teríamos também um tempo para nos recuperarmos.

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Muito caminho pela frente

As distâncias eram enormes. Devíamos ter muito caminho pela frente. Assim, todas as etapas foram, por uma razão ou outra, muito demoradas. Em alguns cruzamentos de trilhas nos perdemos. Pizarro optou pelas que seguiam para leste, ou seja, rumo às montanhas onde ficaria, certamente, a capital daquela civilização. Aquele era um país desconhecido. Ocasionalmente passávamos também semanas em um lugar antes de prosseguir. Na maior parte do tempo, aliás, não sabíamos nem sequer que direção tomar.

Estranhos tumores

Sem entendermos como nem por quê, uma epidemia contaminou, porém, diversos soldados, entre eles nosso amigo Álvaro Toledo. As pústulas, sangravam e produziam também intensa dor e febre. Formavam-se sobre a pele, no nariz, no rosto, nas orelhas e, igualmente em outras partes do corpo, deixando os homens desfigurados. Aliás, muitos dos que foram atingidos pelos tumores morreram. Não sabemos, entretanto, se foi essa a causa, já que outras enfermidades eram comuns naquele lugar.

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Medo de contágio

Tínhamos muito medo de sermos contagiados pela doença. Cheguei a perguntar a um dos padres, que adoecera, se a Virgem não iria nos proteger. Olhou-me febril. Achei que fosse falar algo, mas não disse nada. Meu primo estava igualmente assustado com a possibilidade de contrair a doença, que seria, aliás, conhecida mais tarde como verruga peruana.
Vou ficar tão feio que nenhuma mulher no mundo vai querer deitar-se comigo.
Não irá mudar nada – disse eu. – Você já é feio o bastante e, de qualquer jeito, só fode com puta ou com mulher que pega à força.
Minhas palavras irônicas não o tranquilizaram. Continuava, portanto, preocupado. Disse que talvez os tumores fossem uma vingança dos deuses dos nativos.

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Os deuses desses índios

Prudentemente, eu olhava o religioso de longe, na porta da cabana. Não sabia se as verrugas se transmitiam aos que ficassem muito perto dos doentes. Assim, puxei Meu primo pelo braço.
Vamos embora.
Lá fora, Pablo olhou para as estrelas. Era um céu diferente do que estávamos acostumados. Encostou-se numa árvore para mijar:
Sabe o que eu acho? Talvez os deuses dessa gente sejam mais fortes do que o nosso. Você viu que caras horríveis eles tem? Pelo menos muitos deles… Tenho medo dos deuses desses índios.

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Cale a boca, homem! Se um dominicano escuta, te queimam num poste.
O padre que embolsara esmeraldas, apavorado com os tumores, arrumou um pretexto para deixar o Peru. Assim, preferiu voltar ao Panamá com a nau que nos trouxera provisões. Posteriormente alguém me contou que o infeliz caíra doente e morrera cheio de chagas ao chegar a Nombre de Dios. Quando foram preparar seu corpo para o enterro, encontraram entretanto as pedras costuradas numa dobra de sua batina.

Fome

Os meses passados em Coaque foram de sofrimento. Aliás, parte da tropa estava doente. Ainda mais, passávamos fome, pois a comida acabara. Alguns, desesperados, comeram cobras e sapos, que lhes provocaram intensas dores na barriga. Um deles morreu aos gritos, chamando pela Virgem. Sem farinha, chegamos, assim, a sacrificar três de nossos cães, que foram avidamente devorados pela tropa. Sobrevivíamos com mariscos, peixes ou animais selvagens que conseguíamos vez ou outra pescar ou caçar.

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O dia mais feliz dos oito meses de padecimento que passamos no vilarejo foi aquele em que meu primo, Carlos, Ortiz e eu saímos a cavalo para procurar comida. Ou seja, deparamos com duas ovelhas selvagens de pescoço comprido, que foram abatidas com lança. O restante da tropa, faminta, mal acreditou quando chegamos com os animais. Fomos, assim, aplaudidos aos gritos de alegria. Um de nossos homens aprendera com os tallans a assar filé dessa carne branca e macia, do modo mais adequado. Em suma, nunca passamos tão bem!

Uma vela no horizonte

Certa tarde, olhando o mar, vimos bem ao longe uma vela no horizonte. Logo ela causou enorme entusiasmo entre os homens, que acenderam fogueiras nas quais jogaram lenha molhada para provocar fumaça. Era o tão esperado navio com provisões e reforços que, enfim, chegava do Panamá. Seu comandante Sebastián de Belalcázar desembarcara mais ao norte. Descera, portanto, a costa a cavalo com parte dos homens, saqueando também aldeias indígenas pelo caminho.

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Os pesteados

Pizarro nos mandou a seu encontro para conduzi-lo até nós. Quando, porém, os recém-chegados viram o estado de nossa tropa, assustaram-se. Ou seja, não quiseram nem sequer chegar perto dos doentes. Escolheram, portanto, cabanas do outro lado da aldeia, bem longe de nós.
Consideram-nos empesteados, disse, vendo-os se afastar.

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De fato, somos – disse Ortiz, cruzando os braços longos e magros.
Pizarro resolveu abandonar o local. Assim, os doentes foram embarcado. Nós, porém, seguimos pelo litoral por terra até uma localidade que denominamos Puerto Viejo. Paramos por dois meses, enquanto os homens se restabeleciam. O navio trouxera pouca comida. Ou seja, teríamos que continuar conseguindo provisões nas aldeias indígenas pelo caminho, por bem ou à força.

Tierra de mierda

Quando prosseguimos rumo ao sul tivemos novamente problemas para encontrar o que comer. Muitos homens resmungavam que aquela era uma terra de mierda. Em suma, cheia de mosquitos, onde faltava até mesmo água para beber. Eu concordava, mas achava que, se prosseguíssemos na direção sul, cedo ou tarde encontra-
ríamos comida. Alías, já interrogara José a respeito.
Vocês desembarcaram muito ao norte. Por aqui não há alimento. Confirme com Felipillo.
Felizmente, Belalcázar trouxera porcos do Panamá. Assim, os matávamos quando era preciso, sempre cabendo uma pequena porção do animal para cada um de nós. Esfomeados, quebrávamos os ossos do bicho, extraindo deles até o mínimo tutano.

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Só aldeias abandonadas

No caminho, só encontrávamos aldeias vazias. Ou seja, parece que, avisados com antecedência de nossa chegada, os índios fugiram pelo mar com suas canoas. Levando, igualmente, tudo o que podiam, comida e animais.
Sedentos, avistamos um largo tanque de pedra, com apenas um palmo d’água. Corremos afobados para nos saciar, mas fomos, porém, ultrapassados pelos porcos, também desesperados de sede. Quando chegamos ao reservatório ele já havia sido invadido pelos animais e a água se transformara em um lamaçal marrom, que os bichos não abandonaram nem mesmo a bastonadas.

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Pior: assustados com os golpes, defecaram dentro do tanque. Assim, tivemos que beber daquela água imunda. O resultado foi uma tremenda diarreia. Lembro que, horas depois, voltando de trás de uma moita, já aliviado, com a mão apertando a barriga, apanhei uma pedra e a atirei em um dos porcos.
Bicho miserável!

Costa árida, costelas à mostra

Estávamos preocupados, ou melhor, quase desesperados. Os poucos mantimentos que tínhamos foram portanto racionados. Precisávamos encontrar logo comida para nós e para os animais. Afinal,não poderíamos esperar que Almagro chegasse com provisões do Panamá. Só ocasionalmente tínhamos a sorte de encontrar goiabas, ameixas ou abacates e alguma outra fruta.

“O Ouro Maldito dos Incas” – As pedras verdes e estranhos tumores

Quando isso acontecia, comíamos não apenas as frutas maduras, mas também as verdes. Essas, porém, frequentemente, nos causavam dores de barriga. Em certos trechos desse litoral, não encontrávamos, porém, nem sequer uma árvore frutífera. Ou seja, tivemos que nos contentar com vieiras escavadas nas areias ou ostras e mariscos arrancados de rochedos, que comíamos crus.

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Costa árida

A costa era árida. Assim, raramente encontrávamos água. Eu olhava para aquelas dunas enormes, voltava-me para o mar, apalpava minhas costelas quase à mostra.
Até meu primo, que saíra do Panamá gorducho, estava magro. Mal-humorado de fome, Pablo, que sempre gostou de comer, me recriminava por tê-lo convencido, em Gorgona, a continuar participando da expedição.
Os que voltaram ao Panamá devem estar comendo galinha assada… E nós estamos aqui, na miséria! Eu trocaria todo o ouro desta terra por uma boa galinha assada espanhola!

“O Ouro Maldito dos Incas” – As pedras verdes e estranhos tumores

– Quando encontrarmos ouro e ficarmos ricos, você me agradecerá.
Ele balançou a cabeça, desanimado:
Será que encontraremos alguma coisa? Afinal, saímos da Espanha há três anos e até agora sósuportamos doenças, passamos fome e apuros.

Índios desconfiados

Graças à Virgem, dias depois chegamos finalmente a uma aldeia abandonada pelos índios. Assim, numa das casinhas de pedras encontramos espigas de milho, um cereal comum naquele reino esquecido por Deus. Num pasto ao lado deparamos igualmente com duas ovelhas da terra, que matamos para comer.
Nos lugarejos da costa, o comportamento dos nativos variava. Ora nos recebiam bem, ora com desconfiança e, quase sempre, aliás, com muito medo. Além de estarmos com um aspecto lamentável, usávamos barba, algo incomum entre os índios, imberbes por natureza.

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Cavalos carnívoros?

Naquela aldeia, tinham especial pavor dos cavalos. Interroguei José, que repetiu o que já falara uma vez em Nobre de Dios. Em suma, os nativos acreditavam que os cavalos eram carnívoros e imortais. Tratei de passar a informação a Pizarro, que conversava com seu irmão Gonzalo. Pensativo, ele coçou a barba.
É melhor que continuem a pensar assim. Ou seja, se um cavalo morrer, esconderemos o corpo.
Um soldado veterano suspirou:
Não se preocupe, Gobernador: com a fome que temos passado, se um cavalo morrer, será comido imediatamente. Pizarro olhou-o calado. Ele também tinha fome.

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Chegara o mês de dezembro. Continuamos, portanto, rumo ao sul por terra, enquanto os navios nos acompanhavam, costeando o litoral. A bordo, as provisões também eram racionadas, mas pelo menos se conseguia, com mais facilidade do que nós, comer peixe de vez em quando. O problema é que, como éramos numerosos tínhamos todos que nos dedicar à pesca para saciar nossa fome crônica.

Siga o relato:

Como um analfabeto no comando de menos de duzentos homens, com pouca ou nenhuma experiência militar, conseguiu dominar um império de doze milhões de pessoas ?

Siga a continuação desta postagem: Puná

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