Nossas perdas
Apesar da vitória, tivemos, entretanto, nossas perdas. Sem dúvida, as perdas dos índios foram dez vezes maiores. Mas, eles eram pelo menos cem vezes mais numerosos do que nós. Em suma, no caso dos espanhois cada soldado contava. Entre os mortos um falecera de doença. A maior parte fora atingida por flexas ou pedras. É verdade que nossas armas de fogo podiam atingir os índios a uma distância ainda maior. Os tiros, porém, tornavam-se menos precisos. Pablo, que se tornara muito amigo de um andaluz que morreu, chegou a chorar.
– Não disse que as coisas iam ficar mais difíceis? Afinal, de que vale agora todo o ouro que ele ganhou?
Não me animei, entretanto a consolá-lo. Aliás, eu também estava abatido.
Felipillo assegurava que Calcuchímac estava por trás daqueles ataques. Apontou o dedo para o cacique que se aproximava, caminhando em nosso direção.
– É ele o responsável!
Pizarro adverte Calcuchímac
Pizarro, assim, mandou chamá-lo:
– Você vai ser amarrado num poste e queimado vivo se esses ataques continuarem!
Calcuchímac defendeu-se, dizendo que nada podia fazer.
– Afinal, meus guerreiro me veem como prisioneiro.
Com o fim de obriga-lo a falar, Hernando sugeriu entregá-lo a seus cães. Pizarro olhou para o índio, que nada entendia de espanhol.
– Ainda não. Vamos primeiramente saber exatamente o que houve.
A ideia de Pizarro era continuar nossa marcha pelo Altiplano rumo a Cusco, tomando cidade por cidade. A primeira delas era Jaquijahuana onde, aliás já estavam Soto e Almagro.
Nossos deslocamentos eram certamente facilitados pelas estradas incas. Ela foram, entretanto construídas para pedestres e lhamas. Assim nos trechos mais acidentados eram portanto perigosas para nós.
Os erros de Soto
Assim, seguimos para Jaquijahuana. Pizarro, entretanto estava descontente com Soto. Ou seja, sem autorização, pretendeu tomar Cusco apenas com um punhado de cavaleiros. Em suma, fora imprudente. Ainda mais, se indispôs com índios de Tarma, que abandonaram Quisquis e vieram lhe oferecer sua amizade. Entretanto, no lugar de aceitar a aliança, Soto, ignorante como era, mandou, porém, cortar as mãos desses índios, causando indignação na tribo. Dessa forma, esses índios tornaram inimigos dos espanhóis.
Soto, aliás, punha a culpa em Calcuchímac. Acusava-o de ser o responsável pelos ataques. Almagro, que igualmente estava furioso com o quitenho, pediu sua execução. Daquela vez, Pizarro os atendeu.
– Esse índio me cansou!
Calcuchímac condenado
O nobre inca foi, portanto condenado a ser queimado vivo no centro da praça. Creio, enfim, que mereceu. Era, em suma um homem difícil. Ainda mais, cuspiu no frei Valverde quando este lhe propôs converter-se à fé católica e salvar sua alma. Olhou com desprezo para o Gobernador e seus capitães. Rogou-nos igualmente um praga.
– Você, Pizarro! Hernando , Almagro! Gonzalo! Todos pagarão! Não viverão para desfrutar de nosso ouro! O ouro que vocês tanto cobiçam é maldito! Vocês pagarão muito caro por ele!
Amaldiçoados
– Sempre disse que esse índio tinha que morrer – disse Hernando, olhando para Calcuchímac. Virou-se para o verdugo. – Enfim, o que está esperando, homem? Ponha fogo de uma vez nessa lenha!
O carrasco, num movimento receoso, como se temesse ele próprio ser também amaldiçoado, aproximou uma tocha da madeira acumulada em volta do mastro onde o índio fora amarrado. As toras secas inflamaram-se com muita rapidez. Calcuchímac não se calou até ser completamente envolvido pelas chamas e pela fumaça e perder a consciência. Morreu nos amaldiçoando: não voltaríamos vivos à Espanha. Os homens tentaram disfarçar sua preocupação. Os mais supersticiosos, porém, olharam para frei Valverde, como que buscando sua proteção, e fizeram o sinal da cruz.
Manco Inca
Não sei se os quitenhos souberam imediatamente da morte de Calcuchímac. Porém, no dia seguinte, chegou ao povoado Manco Yupanqui Inca, um dos príncipes quéchuas, reconhecido, aliás, pelo grupo de Huáscar como o único candidato natural ao trono.
– Ele só apareceu porque Calcuchímac foi executado – disse José. Afinal, porque não deu as caras antes?
Yupanqui, que tinha modos de nobre e caminhava com segurança em meio aos soldados espanhóis, não viera entretanto nos pedir ajuda contra os guerreiros de Quito. Chegou, aliás, para oferecer seu apoio naquela guerra. O rosto de Pizarro iluminou-se. Ou seja, aquele quéchua lhe caíra do céu. Yupanqui garantiu também que estariam juntos no mesmo combate para expulsar aquela gente estrangeira que ocupava Cusco e que assassinara Huáscar e tantos quéchuas. Pizarro e alguns de nós, porém, reprimimos um sorriso ao ouvi-lo falar de “gente estrangeira”.
– E nós, espanhóis, o que somos?, comentou Toledo baixinho, voltando-se para mim.
Partida de damas
O Gobernador afirmou saber da situação em que se encontravam os cusquenhos e viera libertá-los, como mandava seu rei, Carlos V da Espanha. Ortiz, ao meu lado, sorriu. Francisco Pizarro, que muito chamavam “o Velho”, era esperto em seu jogo.
– Não é mais jogo de xadrês, agora é partida de damas… comentou um soldado.
Pizarro me mandara sondar junto a Achachíc, que víramos conversando com outros nobres incas que acompanhavam nossas tropas desde Cajamarca. Em suma, queria saber o que ele achava de Manco Yupanqui Inca. Percebi que, ao contrário de Tapac Hualppa, considerado jovem, inseguro e despreparado, Manco Yupanqui Inca era querido pelos quéchuas e tomado a sério.
– Será o melhor aliado de vocês… Se forem corretos com ele – disse um curaca, aparentemente na dúvida sobre como os espanhóis se conduziriam. Pizarro escutou com atenção a explicação do cacique.
– Talvez seja esse o nosso homem.
Os ayullus
Apesar do frio saí de manhã para caminhar pelo vale com Achachíc, como dois amigos. Afastamo-nos um pouco de Jauja. Víamos, ao longe, em algumas encostas pequenos povoados de onde subiam espirais de fumo. Ou seja, provavelmente assavam milho ou cozinhavam batatas.
– São os ayllus das encostas – disse-me Achachíc.
– São bonitos quando iluminados pelo sol da tarde.
Achachíc explicou-me que os ayllus são aldeias nas quais vivem grupos de famílias de uma mesma origem.
– Em suma, os ayllus são a base do nosso mundo. Disse-me também que em cada ayllu plantava preferencialmente um produto. As terras altas eram assim destinadas às plantações de batata; no litoral, deviam produzir sal e igualmente pescado. Da mesma forma, nos vales, criavam lhamas, alpacas e vicunhas. O milho, por sua vez, era cultivado em quase todo o país. Cada aldeia possuía seu curaca, que cuidava de todos os assuntos da comunidade, recolhia os impostos e prestava igualmente, contas ao Tucuy Ricoc, um representante do imperador, que visitava anualmente cada comunidade.
O Tucuy Ricoc
– Quando eu era um Tucuy Ricoc percorria todos ayulus. Conheço portanto cada um, disse, com uma ponta de orgulho. Achachíc contou também que a fidelidade dos curacas ao império era total. Dessa forma, chegavam, nos anos em que a produção agrícola era abundante, a propor o aumento da carga de impostos de sua comunidade. Assim, mandavam lhamas carregadas de produtos para Cusco! Quando disse isso eu ri. Ou seja, aquilo era, para nós, espanhóis, impossível de imaginar. Afinal, nenhum funcionário do rei na Espanha, encontraria súditos pedindo que subissem seus impostos!
– Aqui é assim: o curaca tem que administrar direito seu ayllu. Se não o fizer, será destituído do cargo e passará a trabalhar como pastor.
Achachíc explicou-nos igualmente detalhes de suas leis. Assim, por exemplo, no caso um rapaz do ayllu agir errado. Se tivesse, porém, menos de 26 anos, seus pais eram também punidos. Aliás, muitas vezes, o castigo entendia-se a todos os moradores da aldeia.
A função dos ayullus
Os membros do ayllu executavam três tipos de trabalho: o ayni, labor agrícola, era assim destinado a satisfazer as necessidades da comunidade. Da mesma forma, a minca, trabalho nas terras do Inca, era realizado anualmente como uma grande festividade. Entre as tarefas dos aullus estava igualmente a mita, prestação de serviços pelos homens adultos para a construção de pontes, estradas e canais de irrigação. Cada ayllu devia também fornecer soldados ao império. Estes só podiam se casar após servirem o exército até os 25 anos.
Os mais combativos tornavam-se assim guerreiros; os demais, carregadores. Completado seu tempo no exército, podiam, porém, voltar para sua pacaraina, a terra de nascimento do índio, onde ficava seu ayllu. Naturalmente, a ausência de moeda e o fato de cada ayllu produzir o suficiente para sua comunidade não favorecia o comércio como nós, espanhóis, conhecíamos. Mas, havia mercados nos quais se praticava a troca de mercadorias.
A distribuição da produção em todo o império
Achachíc disse que caravanas de lhamas percorriam grandes distâncias. Dessa forma levando para Cusco produtos de ayllus de diferentes partes do império. Ou seja, uma variedade de produtos que incluía frutas das terras baixas, sal, peixe seco e adubo do litoral, tecidos, artesanatos etc.
Para fortalecer os laços entre os membros do ayllu, duas ou três vezes por mês os índios faziam refeições das quais todos participavam, com a presença do curaca.
Siga o relato:
Como um analfabeto no comando de menos de duzentos homens, com pouca ou nenhuma experiência militar, conseguiu dominar um império de doze milhões de pessoas ?
Siga a continuação desta postagem: Os quitenhos
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