Livro; O Ouro Maldito dos Incas

043 -Anno de 1534 – “O Ouro Maldito dos Incas” – Surpresas

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“O Ouro Maldito dos Incas” – Surpresas

A oportunidade de conversar

Surpresas nos esperavam. Achachíc já entendia e falava cada vez melhor o espanhol. Dessa forma, pude assim conhecer algo sobre as crenças incas. Seria por meio de nós, espanhóis, que essa gente conheceria a religião verdadeira? Mas, o que pensariam do cristianismo? Afinal, viam como os roubávamos, como lhes passávamos doenças e abusávamos de suas mulheres.
Um dia, José foi chamado por Pizarro para traduzir o interrogatório de um dos curacas capturados. Assim, ficamos, Ortiz e eu, com o inca. Foi uma chance portanto, para uma boa conversa. Queríamos, a sós com ele, saber o que teria a dizer sobre certas práticas incas. Por exemplo, barbaridades, como sacrifícios humanos. Talvez mostrar-lhe, desssa forma, que nós, espanhóis, não éramos os únicos a fazer coisas erradas.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Surpresas
Sacrifício humano

Os sacrifícios humanos

Sacrifícios humanos eram para nós inaceitáveis. Achachíc ouviu minhas perguntas com um olhar que me pareceu irônico, depois começou a falar. Contou-me que os sacrifícios aos seus deuses, embora fossem uma prática comum, ocorriam porém somente em grandes ocasiões e festas. Além de prisioneiros de guerra, eram sacrificadas pessoas de seu próprio povo, sempre crianças escolhidos a dedo, por sua perfeição física. Ou seja, quem tivesse manchas na pele ou mancasse não servia.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Surpresas
Sacrifício humano

Coração arrancado

O que me chocou não foi tanto o fato de realizarem esses sacrifícios. Mas, de as famílias que tinham seus filhos selecionados para serem oferecidos aos deuses considerarem essa escolha uma honraria. Dessa forma, se prontificarem a entregar suas crianças aos sacerdotes para esse fim. O inca explicou-me como eram os rituais. A vítima era levada para o alto de uma montanha, onde era drogada e abatida com um tacape. Quando um novo Inca subia ao trono, muitas dezenas de crianças eram conduzidas a uma colina perto de Cusco e eram igualmente sufocadas com pó de folha de coca e tinham seus corações arrancados.
Olhei para Ortiz, que ouvia, com os olhos arregalados, as explicações de Achachíc. Em suma, estávamos como que em estado de choque ao ouvir aquilo.

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O argumento de Achachíc

Isso é um horror! Como é possível entregar seus filhos assim à morte? – perguntei. – Você sacrificaria seus filhos? Achachíc fez um sinal afirmativo:
Sim, seria uma honra. É um sacrifício para salvar a todos. Nós nos entreolhamos, de boca aberta. O inca prosseguiu:
Vocês me contaram que seu deus sacrificou seu próprio filho, enviando-o para morrer na cruz e salvar todo mundo. Ou seja, o deus de vocês, sabendo que o filho seria crucificado e morto, fez a mesma coisa que um inca faria com seu próprio filho.

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Do que estão espantados? Afinal, Cristo deve ter sofrido muito mais na cruz do que essas crianças atingidas com um golpe de tacape. Ou seja, por que seu deus fez isso, se tem todo o poder do mundo? Não precisava, portanto, mandar seu filho para uma morte tão horrível. Em suma, se ele é de fato tão poderoso como vocês dizem, por que fez isso com o filho? Bastava, aliás, dizer a todos: sejam bons…

Esse índios nos confundem…

Franzi a testa sem saber o que responder para aquele índio.
Meu amigo concordou com um movimento de cabeça.
É impossível entender esses índios…
Ele permaneceu um momento calado, mão no queixo, como se pensasse em algo. Depois acrescentou:
Pensando bem, é estranho de fato Deus ter mandado Cristo morrer na cruz. Sempre pensei nisso. Tem coisas que os padres ensinam quando gente é criança que não me convencem. Abaixei os olhos para a mesa de madeira:
Não fale isso perto de um cura…
Ortiz sorriu:
Nunca o faria. Estou falando com um amigo. Mas, é de fato estranho nosso Deus sacrificar seu filho na cruz… E Abraão? Afinal, Deus mandou que matasse o próprio filho apenas para provar sua fé…Precisava?

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Pedro de Alvarado

O Gobernador mais de uma vez disse que uma cidade como Cusco, tão magnífica, merecia uma fundação cristã. E, igualmente, ser dessa forma incorporada à Coroa espanhola. Aliás, novidades preocupantes trazidas pelo capitão Gabriel de Rojas, que acabara de chegar da Nicarágua, aceleraram porém a decisão. O Adelantado Pedro de Alvarado, governador da Guatemala, estava reunindo tropas para uma expedição ao Peru. Acreditava-se, portanto, que disputaria com Pizarro o direito às novas terras. A notícia indignou a todos. Em suma, nos declaramos dispostos a enfrentar Alvarado de armas nas mãos. Fundar a Cusco cristã deixaria, portanto claro que o território tinha dono. Ou seja, Pizarro e Almagro decidiram criar um fato consumado.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Cusco hoje, toda em estilo colonial espanhol

A fundação cristã de Cusco

Ortiz suspirou:
– Não sei o que Yupanqui deve estar pensando disso. Afinal, o senhor desta cidade não é ele?
Em 23 de março, uma segunda-feira, após a separação do quinto real do saque e a divisão do tesouro, nos reunimos na praça central de Cusco para a fundação da cidade, ocasião em que frei Valverde rezou uma missa de ação de graças. Assim, solenemente o Gobernador anunciou:
“Eu, Francisco Pizarro, Cavaleiro da Ordem de Santiago, tenho o desejo de seguir o costume daqueles que Sua Majestade ordenou por um serviço tão nobre a Nosso Senhor. Dessa forma, vamos multiplicar nossa Santa Fé Católica para obter a conversão dos nativos. Afinal, nós os derrotamos nessas terras distantes, ignorantes do Conhecimento da Fé Cristã. Assim, por esta palavra são considerados nossos servidores e irmãos. Portanto, desejo continuar a colonização desses reinos, em nome de Sua Majestade, Carlos V, por vontade de Deus-Pai”.

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O cabildo cusquenho

Na ocasião Pizarro anunciou igualmente quem faria parte do primeiro Cabildo cusquenho. Pedro de Candía, o grego, foi um deles. Depois o Gobernador distribuiu as terras dos índios em forma de encomiendas, entregando a cada soldado, transformado em encomiendero um grupo de índios, alguns deles compostos por homens, mulheres e crianças que deveriam cultivar suas terras.
Ortiz comentou enquanto almoçávamos pato com farinha de milho:
Encomiendero, afinal é uma espécie de senhor de escravos. Aliás, creio que Pizarro se inspirou nas encomiendas utilizadas na Andaluzia recuperada dos muçulmanos. É praticamente trabalho escravo.
Quase isso – disse eu.
Em suma, é um trabalho pelo qual não se paga, considerou Ortiz.

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As encomiendas

Existe uma grande diferença entre o sistema de conquista dos incas e o dos espanhóis. Ou seja, os quéchuas ajudavam as tribos vencidas mais atrasadas ensinando-lhe com técnicas agrícolas. Cobravam, entretanto, um tributo dos povos que dominavam. Conversei com José sobre isso. Até ele, um tallan, homem de um povo subjugado pelos quéchuas, admite o fato: os tributos porém, nunca eram excessivos. Ortiz coçou a cabeça, pensou um instante, depois virou-se para mim:
Nós não apenas os escravizamos, mas igualmente, destruímos o modo de vida desses pobres diabos. É, enfim, o que estamos fazendo, meu amigo. Não quis discutir, mas depois pensei, preocupado, no que Ortiz dissera.

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Escravidão disfarçada

Estávamos, na prática, transformando os índios em escravos? Os palácios e as principais casas de nobres em Cusco foram, aliás, distribuídos entre os espanhóis. Dessa forma, seus antigos proprietários e suas famílias viram-se na rua. Pizarro também entregou aos conquistadores toda a terra, os rebanhos de lhamas e as plantações em torno de Cusco. Enfim, os que não estavam interessados nas encomiendas, como Ortiz e eu, receberam diversas peças de ouro.
Outras encomiendas enriqueceram as ordens religiosas. Conforme um frei me explicara: para o serviço de Deus também é preciso dinheiro. Assim, o templo de Coricancha, ocupado inicialmente pelos irmãos de Pizarro, foi mais tarde transferido igualmente para os dominicanos.

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Manco Yupanqui Inca

Manco Yupanqui Inca, por sua vez, foi coroado em Cusco. Ou seja, na antiga capital inca recebeu a submissão dos curacas quéchuas e das tribos súditas. Pizarro aceitou a coroação de Yupanqui como imperador. Afinal, lhe convinha ter um governante nativo dócil, que, ainda mais, jurara lealdade ao trono espanhol.
Para não deixar nenhum espaço para Pedro de Alvarado, Pizarro mandou Almagro consolidar também a conquista do litoral peruano e igualmente reclamar sua posse em nome do rei.
Enfim, se não o fizermos, esse desgraçado vai dizer que é dele…
O Gobernador tratou igualmente de enviar a parte do quinto real para a Espanha. Ou seja, a chegada do ouro acalmaria a corte e o Conselho das Índias, comprovando dessa forma o sucesso da expedição. Assim, homens sob o comando do Adelantado foram mandados para o litoral com o tesouro.

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Pablo se retira da conquista

Alguns, meu primo dentre eles, foram autorizados a regressar à Espanha. Pablo estava feliz em poder deixar o Peru com o ouro e as pedras preciosas que pudera amealhar.
Não quero acabar morto por uma pedra na cabeça.
Pablo levava índios e índias para servi-lo.
Já sou suficientemente rico – disse-me. – Vou poder comprar uma terra, uma casa e animais.
Vi que separara sementes de abóbora e mudas de batatas e de milho, o que me fez rir.
Vai plantar isso em Sevilha? – caçoei.
Pablo disfarçou um sorriso:
Vou tentar, primo. Lá não tem nada disso.

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Suas barrinhas de ouro e outras peças menores foram embaladas com cuidado em bolsas de couro de lhama.
Eu me acostumara com ele e sabia que iria sentir sua falta, pois muitas vezes éramos designados juntos para trabalhos e empreitadas. Apesar de Pablo não ser muito esperto, me habituara com seus modos; a aventura do Peru nos aproximara. Além disso, ele amadurecera um pouco, assim como eu, nesses anos todos. Ortiz, igualmente, me pareceu triste. Ria um pouco do jeito de meu primo, mas gostava dele. Pablo, apesar de ter ficado despeitado por ter sido substituído por Ortiz, teve a modéstia de lhe agradecer:

– Devo a vida a você.
Em seguida fez sinal a seus índios e às duas índias que o acompanhariam, para que se apressassem com a tralha espalhada pelo chão.
– Pizarro me deu esses índios de presente.
Graciosa aquela ali, primo.
Ele pareceu orgulhoso:
Dei sorte.

A colonização de Jauja

Para garantir seu território, Pizarro determinou que a região de Jauja fosse colonizada. Terras seriam distribuídas entre os colonizadores. Os vecinos, colonizadores receberiam, assim, certo número de índios, encarregados de cultivá-las. Acompanhado de Manco Yupanqui Inca, o Gobernador seguiu para Jauja, oficializada como capital de Nova Castela, o imenso reino transformado em colônia espanhola. Tivemos que acompanhá-lo e deixar nossas índias sozinhas.

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Surpresas: nossas índias grávidas

Os ventres das duas cresciam lentamente. Ficamos preocupados em deixá-las na casa. Mas o fato de esperarem bebê tinha um lado bom: as grávidas eram mais respeitadas. Na dúvida pedi a frei Valverde que as ajudasse em alguma coisa que precisassem:
Elas trazem dentro de si dois futuros cristãos para seu rebanho, padre – disse Ortiz, dando uma discreta piscadela para mim.

A ameaça quitenha

No caminho deparamos com pontes destruídas, plantações devastadas e aldeias queimadas pelos quitenhos ao deixar Cusco. Ao chegar ao rio Vilcas recebemos notícias de que Riquelme, responsável pelo Vale de Jauja, conseguira expulsar Quisquis da região. Pizarro alegrou-se com a novidade, mas disse que essa última vitória não fora suficiente. Era preciso mais: aniquilar ou pelo menos afastar a ameaça representada pelo exército quitenho. A tarefa foi entregue a Hernando de Soto.

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Jauja, centro cristão

Quando finalmente atingimos Jauja, informaram-nos que Hernando já alcançara a retaguarda de Quisquis, impondo-lhe derrotas. Disseram, também, que o comandante índio prosseguia sua retirada para o norte. A notícia agradou tanto a Pizarro como a Manco Yupanqui Inca. Ou seja, ele odiava Quisquis em razão das crueldades cometidas contra as aldeias quéchuas da região de Cusco.
Com a intenção de completar a colonização espanhola em Jauja, frei Valverde comandou um grupo de dominicanos, que passou a destruir templos incas e todos os ídolos pagãos espalhados pela cidade.
Quero apagar essas crenças da memória dos índios – disse aos soldados chamados para ajudá-lo. – Vamos aproveitar as pedras e trocar tudo por capelas e igrejas. Jauja agora é um centro cristão!

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Siga o relato

Como um analfabeto no comando de menos de duzentos homens, com pouca ou nenhuma experiência militar, conseguiu dominar um império de doze milhões de pessoas ?

Siga a continuação desta postagem: A conquista consolidada

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