Os costumes incas
Os costumes incas eram estranhos para nós. Orientados por curacas conhecemos palácios em cujo interior existiam corpos mumificados de reis incas. Estes eram, assim, colocados sentados sobre banquinhos e vestidos com suas mais finas roupas. Eram, ainda mais, servidos de comida e chicha e reverenciados por um enorme número de servidores. Ou seja, como se esses ancestrais ainda estivessem vivos.
Palácios forrados de tapeçarias, mas sem móveis
Interessante foi notar, igualmente, que, em alguns desses palácios as paredes eram inclinadas para dentro. Da mesma forma, os cômodos não tinham jamais portas, apenas uma pesada cortina de pele de lhama, como era o costume no país. Lindas tapeçarias e painéis de penas coloridas enfeitavam igualmente as paredes de todos os cômodos. Ou seja, tornando assim os ambientes aconchegantes, apesar da falta de móveis, (Nota do autor. Descrição baseada nos relatos do soldado e escritor Pedro Ciéza de León).
Mesmo os palácios eram Iguais, nesse aspecto, às casinhas simples que conhecíamos. O chão, das casas mais simples podiam ser de terra, mas eram, porém, forrados de tapetes de delicadíssima lã de alpaca. Para nós espanhóis, era muito estanho. Ou seja, nunca víramos nada parecido. Obviamente, sentíamos falta de mesas e cadeiras, mas aos poucos fomos nos habituando a nos estender sobre os tapetes macios.
Uma cidade sem miséria
Quando prosseguimos o passeio pela cidade me chamou a atenção não ver gente pobre. Ou seja, não havia, como era comum, nas cidades espanholas, pedintes ou pessoas andrajosas. Assim, em Cusco mesmo as pessoas simples tinham também roupas decentes para vestir. Mandei José perguntar ao quéchua que nos guiava, que tipo de gente habitava Cusco. Este explicou que Cusco era uma cidade de funcionários reais e sacerdotes. Dessa forma, mesmo os servidores mais humildes eram sempre bem vestidos, com trajes de algodão ou lã de alpaca. Ou seja, em Cusco não existia gente realmente miserável como na Espanha e demais países europeus.
Cusco, cidade com ruas divididas por pequenos canais
Boa parte da cidade era formada por ladeiras divididas por pequenos canais. Isso, porém, fazia com que os dois lados da via fossem estreitos. Ou seja, o espaço de cada lado era suficiente para um só homem circular a cavalo. Mas, como não conheciam esses animais, isso não era um problema para eles. As principais ruas desembocavam numa grande praça quadrada rodeada de palácios pertencentes aos curacas.
No alto da colina, em um dos lados da cidade, protegendo Cusco, podíamos ver a fortaleza de Sacsayhuamán, pela qual passáramos dias antes. Como era imponente vista do centro de Cusco!
O regresso a Cajamarca
As lhamas
Dias depois havíamos recolhido muito ouro. Ou seja, o máximo que conseguiríamos carregar. Assim, numa manhã ensolarada, seguidos por uma longa fila de carregadores e lhamas, retomamos o caminho de volta a Cajamarca acompanhandos por dezenas de índios, muitas lhamas, e uns poucos cavalos.
As lhamas eram geralmente empregadas para o transporte de cargas. Esses animais, não suportavam, porém, o excesso de carga. Quando sobrecarregados, deitavam e recusavam-se a levantar, enquanto não lhes tirássemos o excesso de carga das costas.
As lhamas, se instigadas a levantar, além de não obedecerem, cuspiam sobre nós, expelindo parte do conteúdo do estômago. Assim, os índios, com pesadas cargas nas costas e bem habituados à altitude, acabavam transportando mais peso do que esses animais.
Os curacas de Cusco deram graças a Deus por nos verem partir com as lhamas e nossos índios carregados de peças douradas. Deviam nos odiar! Mas, mesmo assim trouxeram mais de uma vintena de lhamas de carga.
O demorado caminho de volta
A volta, como estávamos carregados, demorou mais tempo. A estrada de pedra era interminável. Em alguns trechos atravessávamos áreas planas no fundo de vales. Em outros momentos subíamos e descíamos por encostas íngrimes de montanhas. Eram, enfim, estradas que parecia existir desde o começo dos tempos e seguir rumo ao infinito. Tínhamos, igualmente que ficar atentos.
Ou seja, vez ou outra, enquanto avançávamos por elas, os cavalos escorregavam nas pedras. Atravessar pontes estreitas, suspensas por cabos também nos assustava. Em outros momentos entrávamos em aldeias silenciosas, onde pessoas nos olhavam caladas, temerosas Todos se lembravam de nós quando passamos por essas aldeias a caminho de Cusco e dos abusos que cometemos com as jovens índias.
Dever cumprido
Enfim, cumprimos com nosso dever, que era levar esse ouro e pedras preciosas para Pizarro. O que desviamos para nós foi pouco, comparado com o volume do metal levado para Cajamarca. Creio que todas essas peças seriam derretidas e transformadas em barras. As mais bonitas, seria uma pena derretê-las, mas eu achava que os ídolos pagãos deviam ser fundidos. Afinal, o que um espanhol comum iria fazer um um ídolo pagão?
Apesar de sabermos que tínhamos que transformar todo esse ouro em lingotes, tenho que reconhecer que algumas peças eram belíssimas. Poderíamos talvez deixa-las de lado para pensar melhor, antes de derrete-las.
Quando voltamos a Cajamarca, nossos companheiros surpreenderam-se ao nos verem chegar seguidos por centenas de índios e lhamas carregadas de metal precioso. Esperávamos há anos por esse momento! Aclamaram-nos, assim, aos gritos de Viva a Espanha!, felizes por verem tanto ouro. Afinal, parte de tudo isso seria deles.
Pablo vangloriando-se
Pablo divertiu-se contando à roda de espanhóis à nossa volta suas aventuras no recinto das Virgens do Sol.
– Não deve ter sobrado nenhuma virgem depois de nossa visita – disse, orgulhoso de suas proezas. Ortiz escutou-o em silêncio com outros soldados. Ortiz olhou para mim e comentou:
– Imagine se um povo estranho chega à Espanha e percorre nossas aldeias fazendo o que nós fazemos por aqui…
– Por aqui é diferente. Não estamos na Europa, resmungou meu primo, não apreciando as observações de Ortiz.
Eu, porém, mais tarde, a sós comigo mesmo, pensei no que meu amigo falara. Era apenas a verdade.
Siga o relato:
Como um analfabeto no comando de menos de duzentos homens, com pouca ou nenhuma experiência militar, conseguiu dominar um império de doze milhões de pessoas ?
Siga a continuação desta postagem: Cajamarca, traições e ardis
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Temos, igualmente, neste blog o livro-a-vaca-na-estrada/, fartamente ilustrado. É o relato de uma viagem sabática, de carro de “Paris a Katmandu” com um amigo francês. Uma longa aventura por desertos e montanhas na Turquia, Irã, Afeganistão (antes do Talibã), Paquistão, Índia e Nepal.