“O Ouro Maldito dos Incas”- Cadê o ouro?
Todos esperavam que Atahualpa cumprisse o que prometeu: cadê o ouro?
Janeiro de 1533 foi um mês chuvoso. Olhávamos, assim, o céu encoberto por nuvens escuras, sem ter muito o que fazer o dia todo. Dessa forma, para passar o tempo, alguns soldados costuravam suas roupas, outros afiavam suas armas. Eu, desde os combates, não tirara ainda meu sabre de sua bainha. Quando o fiz para limpar o fio da arma, encontrei um minúsculo pedaço de couro cabeludo grudado no metal. Enojado, limpei-o com um graveto e água, tentando lembrar, aliás, inutilmente, a quem pertenceriam aqueles fios de cabelo.
Os espanhois se tornam impacientes
Atahualpa prometera que o resgate seria pago em dois meses, mas os dias passavam e só uma vez por semana umas poucas lhamas com metais preciosos chegavam a Cajamarca. Os espanhóis, entediados e irritados com o mau tempo, começaram a reclamar:
– O miserável está nos enganando! – resmungou um dos soldados.
Outros, como Juan e Gonzalo, sugeriram a Pizarro punir o Inca. Eles duvidavam de que todo o ouro fosse entregue no prazo prometido. Falavam em queimá-lo vivo.
– Acenda a fogueira que o ouro aparece! – diziam para o Gobernador.
Como o descontentamento aumentou, Pizarro foi, assim, falar com o monarca quitenho. Horas mais tarde, mandou que reunissem a tropa.
– Atahualpa disse que pode nos fornecer mais rapidamente o resto do ouro. Ou seja, falou que seus guias vão conduzir uns três de vocês até um templo em Cusco buscar o tesouro. Quem se apresenta para ir junto?
Encarou os soldados à sua volta. Alguns olharam para o chão, outros para o lado. Nenhum, porém, se manifestou.
Enervou-se:
– Ninguém, portanto, quer saber de ouro?
Entendi, aliás, que os homens não se mostrassem entusiasmados. Em suma, temiam alguma surpresa.
Rumo a Cusco, buscar o ouro
Havíamos sobrevivido à maior de nossas provas. Ou seja, capturar o imperador inca. Estávamos vivos, Atahualpa continuava preso, e o ouro, devagar ou não, estava chegando. Quem, aliás, nos garantiria que os curacas de Cusco não nos degolariam? Pizarro, porém, insistiu tanto que eu me adiantei e aceitei. Meu primo, vendo isso, igualmente criou coragem. Outro que se juntou a nós, foi simplório galego Carlos. Este, analfabeto e ignorante, também acabou aceitando a missão, sem saber dos riscos. Ou pode ser também que quisesse se redimir aos olhos do Gobernador por tê-lo ferido quando capturaram Atahualpa.
Quando os homens se dispersaram e ficamos sozinhos com Pizarro, eu lhe disse:
– Gobernador, talvez eu já tenha minha parte em ouro para viver bem na Espanha. Só nos falta morrer agora.
Ele nos disse que não nos preocupássemos:
– E vocês serão bem recompensados. Em suma, basta voltar com baús cheios de peças douradas…
Vocês terão o ouro
Nós sabíamos que Atahualpa certamente ainda controlava tudo. Ele afirmava, aliás, que nenhum só índio em seu império ousaria sequer mijar sem sua aprovação. Por isso mesmo, para nos tranquilizar, Pizarro o chamou e o advertiu. Em outras palavras, se um de nós fosse atacado, ele pagaria a afronta com sua vida. Assim, quando o Gobernador lhe pedira garantias de que não correríamos risco, o Inca respondeu de forma esperta, anunciando que, enquanto ele fosse vivo, a vida de todos nós também estaria a salvo. Em outras palavras,: se Atahualpa prezasse sua vida assim como prezávamos as nossas, não correríamos riscos.
Os sacerdotes de Atahualpa
Uma recompensa em ouro seria bem-vinda. Eu, porém, curioso por natureza, queria igualmente conhecer a cidade de que os índios tanto falavam. Ou seja, faria fazer parte do primeiro grupo de espanhóis a pôr os pés em Cusco, a capital dos incas. Agradava-me também aventurar-me por terras estranhas, divertir-me com meu primo e o galego, esquecer dessa forma pensamentos que me confundiam a cabeça após o massacre.
Para assegurar que suas ordens fossem cumpridas, o Inca chamou seus sacerdotes. Assim, de modo ríspido, ordenou que dois deles nos acompanhassem. Quando Pizarro quis saber por que os tratava daquela forma, Atahualpa respondeu que o fazia por serem mentirosos.
– Mentiram sobre a saúde de meu pai. Afirmaram que eu seria derrotado por Huáscar, e eu o aprisionei. Depois, disseram que nós venceríamos os espanhóis, mas foram vocês que venceram… Disfarçamos um sorriso.
As concubinas do Inca
O Inca, apesar de encarcerado, mantinha, porém, suas regalias de soberano. Ou seja, conservava diversas mulheres, suas meias-irmãs, com quem ele dormia. Isso horrorizava frei Valverde. Esse era um costume dos monarcas incas que os espanhóis não entendiam. O incesto, para nós uma aberração, fora adotada, segundo José me explicara, para preservar, dessa forma o sangue real. Ou seja, Atahualpa tinha centenas de irmãos e irmãs, filhos de concubinas de seu pai.
Um prisioneiro arrogante
O Inca atendia com arrogância aos curacas que vinham vê-lo em comitivas. Ou seja, tratava a todos seus inferiores, mesmo a seus irmãos, de modo arrogante, com desprezo. Aliás, mal olhava para os visitantes. E, ainda mais, todos se apresentavam diante dele, curvados. Deviam também ter um peso sobre as costas, uma forma de demonstrar sua submissão. Dessa forma, mesmo sendo nosso prisioneiro humilhava a todos.
Os príncipes assassinados
Dois de seus irmãos foram recebidos friamente, porque ele desconfiava de sua simpatia por Huáscar. Terminada a audiência, ambos pediram permissão a Pizarro para seguir para Cusco. Sabendo disso, Atahualpa disse ao Gobernador que não devia ter autorizado essa viagem. Ou seja, segundo ele, os dois, mal vistos no império, corriam o risco de serem assassinados. Pizarro chamou os príncipes, que foram advertidos do risco, mas, como insistiram em partir, receberam autorização. No caminho, foram de fato mortos, mas quase certamente por ordem do próprio Atahualpa
Este, aliás, costumava tomar sua chicha num crânio humano, com detalhes trabalhados em ouro. Posteriormente, ficamos sabendo que a caveira usada por ele era de um de seus irmãos, que se pusera ao lado de Huáscar. Em suma, o soberano quitenho continuava temido em todo o império; quem o desafiasse pagaria com a vida. Assim, mandou prender e apedrejar até a morte curacas de tribos que, sabendo de sua captura pelos espanhóis, se insurgiram contra seu poder. Pizarro, quando soube, ficou furioso e o ameaçou:
– Se fizer isso de novo, eu o queimarei vivo.
A irmã dada de presente
Apesar de desavenças eventuais, Atahualpa e Pizarro se entendiam. Ou seja, chegaram a desenvolver certa amizade, a ponto de, frequentemente, Pizarro convidar o Inca para jantar com ele.
Antipático com seus subordinados, Atahualpa mostrava-se muito afável com os espanhóis, com quem aprendera até a jogar xadrez. Entre todos, creio que se aproximara mais de Soto e, principalmente, de Hernando, que o chamara de cachorro. Em outras palavras, talvez, por ser arrogante, Atahualpa só respeitasse os arrogantes.
Atahualpa, por sua vez, deu de presente ao Gobernador sua irmã Quispe Sisa, uma indiazinhabonitinha e obediente.
Evidentemente Pizarro ficou muito feliz com o “presente”. Isso, porém, não deixava de chocar um pouco a nós todos. Dar a própria irmã de presente? E, ainda mais, uma irmã com quem ele dormia. Pizarro teria, posteriormente, uma filha com ela, batizada com o nome de Francisca.
Na ocasião, Sisa também foi batizada, assumindo o nome cristão de Inês. Posteriormente, Pizarro abandonou-a. Trocou-a para ficar com a prima da moça, a princesa Cuxirimay. Esta adotaria o nome cristão de Angelina, com quem ele teria dois filhos.
Nitaya
Para fazer a viagem a Cusco eu teria, porém, de deixar Nitaya sozinha. Eu, porém, sempre gozei de certo prestígio entre os soldados por ter sido um dos Treze da Fama. Um veterano. Em suma, tinha ainda algumas vantagens. Afinal, era um dos poucos que sabiam ler. Era igualmente mais alto e forte do que a maioria. Além disso, costumava-se, na tropa, respeitar as nativas pertencentes aos companheiros.
Mesmo assim eu me preocupava, principalmente quando alguns soldados se embebedavam com um room vagabundo comprado de um marinheiro quando chegaram mantimentos do Panamá. Nunca, porém, confiei em bêbados. Temia, portanto, que, se ficasse sozinha, Nitaya pudesse ser violentada. Dessa forma, pedi a Ortiz que tomasse conta dela. Prometi retribuir o favor se ele se ausentasse.
Siga o relato:
Como um analfabeto no comando de menos de duzentos homens, com pouca ou nenhuma experiência militar, conseguiu dominar um império de doze milhões de pessoas ?
Siga a continuação desta postagem: Rumo a Cusco
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Temos, igualmente, neste blog o livro-a-vaca-na-estrada/, fartamente ilustrado. É o relato de uma viagem sabática, de carro de “Paris a Katmandu” com um amigo francês. Uma longa aventura por desertos e montanhas na Turquia, Irã, Afeganistão (antes do Talibã), Paquistão, Índia e Nepal.