Livro; O Ouro Maldito dos Incas

023 – Anno de 1532 – “O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

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“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

À espera dos embaixadores

Isto parece um jogo de xadrês… murmurou Gonzalo Pizarro.
Francisco deu um tapinha nas costas do irmão:
Mas, só nós temos os cavalos…
Ou seja, Pizarro e Atahualpa, cada um com suas táticas, movendo suas peças. Enfim, tínhamos o cavalo nesse jogo. O Inca não… Ou seja, ambos, pelo que eu percebia, eram como duas raposas, cada uma tentando enganar a outra. Enquanto esperávamos os embaixadores de Atahualpa, sentei-me num canto com Pablo e José. Aproveitei a pausa e, para passar o tempo, pedi assim que o índio continuasse a memorizar algumas palavras de quéchua.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

Voltei-me para meu primo:
Você devia também aprender. Talvez isso salve a sua vida. Atahualpa não sacrifica intérpretes.
Pablo olhou-me muito sério:
É verdade?
Dei de ombros:
Parece fazer sentido, não?

“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

O encontro

Pizarro mandou que cada um separasse suas armas e que ficasse, portanto, pronto para qualquer eventualidade.
Mas – advertiu – não ataquem os embaixadores de Atahualpa sem minha ordem. Nem demonstrem, aliás agressividade.
Duas horas depois, vimos, ao longe, uma caravana de lhamas aproximando-se, tocada por servidores de orejones instalados em liteiras. Levantamo-nos e demos a aula por encerrada. Os emissários de Atahualpa chegavam devagar, pareciam, aliás, não ter pressa.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

Desta vez ele não veio puxar sua barba… 113

Uma surpresa, porém, nos aguardava. Ou seja, o chefe do grupo era o espia que Atahualpa enviara ao nosso acampamento disfarçado de vendedor de frutas.
Hernando virou-se assim para Gonzalo:
Ora essa, ele de novo! O índio filho de uma cadela que ficou me observando até levar um chute na bunda.
O miserável impertinente que me deu um puxão na barba – murmurou Toledo ao meu lado.
Pizarro levou o dedo aos lábios, pedindo silêncio:
Tenham calma, homens. Ele é, ao que parece, o grande orejón do Inca. Não o desrespeitem. – Sorriu para Toledo: – Ele não veio aqui para puxar a sua barba outra vez.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

Jogo de xadrês: a mensagem dos emissários

Quem traduziu a conversa entre Pizarro e o orejón foi Felipillo, agarrado à sua situação de intérprete. O Inca enviava votos de boa saúde a todos. Queria, ainda mais, conhecer Pizarro e ser seu amigo.
Álvaro de Toledo, ao meu lado, riu baixinho:
Não temos, portanto, nada a temer. O rei deles nos deseja saúde… Atahualpa é homem de paz.
O Gobernador respondeu aos emissários que também era um homem de paz. Seu pequeno exército era, portanto, uma espécie de embaixada de um rei poderoso. Ou seja, senhor de muitas terras e almas do outro lado do mar. Isso traduzido, o orejón logo perguntou quando chegaríamos a Cajamarca. Todos os olhos se voltaram para Pizarro, que, cauteloso, disse ainda não saber. Entretanto, desconfiado, mandou Felipillo perguntar por que o Inca queria essa informação.

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Orejón esperto

O orejón era ladino. Assim, respondeu que, sabendo disso, Atahualpa mandaria deixar suprimentos para nós nos tambos existentes nos trechos da estrada inca rumo a Cajamarca.
Vai abastecê-las para vocês com roupas quentes, milho, frutas e lhama. Pizarro, quase sempre taciturno, dessa vez, porém, esboçou um sorriso. Segurou no braço de Felipillo:
Diga-lhe que seremos gratos.
Isso feito, entregou-nos os presentes enviados por Atahualpa: pequenas fortalezas de cerâmica e, igualmente, patos secos e desossados. Cumprimentou Pizarro e despediu-se solenemente, desejando-lhe sorte.

Os presentes de Atahualpa

Quando se afastou, ficamos olhando para as aves e as cerâmicas. O Inca nos mandava aquele presente macabro cheio de significação. Era, portanto, impossível ignorar a mensagem. Assim, as fortalezas serviam para indicar que aquele reino estava muito bem protegido. Toda tropa, vendo aquilo, parece ter igualmente ter entendido o recado. Assim, os soldados se entreolhavam, ar preocupado.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

Vendo os patos, alguns soldados começaram mesmo a se perguntar se não seria, aliás, mais prudente esperar os reforços que seriam enviados por Almagro. O Gobernador não gostou dos comentários. Esperar Almagro? Para que, afinal ? Antes, porém, que o temor contaminasse as tropas, Pizarro simplesmente nos mandou embalar as aves para nosso jantar.
Não estavam reclamando de só comer milho? Agora têm patos! Comam. Depois montem em seus cavalos e vamos em frente.

Cajamarca

Na primeira quarta-feira de novembro, alcançamos o topo da serra e pudemos, assim, pela primeira vez, avistar Cajamarca. Situada no meio de um amplo vale, tinha ruas retas, longas e estreitas. Parecia, aliás, ser tão grande quanto muitas das cidades espanholas. De onde estávamos, podíamos, dessa forma, ver sua praça central rodeada de casas e edifícios imponentes.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

Deviam ser palácios ou templos. Intrigou-nos, entretanto, não ver movimentação alguma na cidade. Onde estavam as pessoas?
Será que, além de fortalezas, encontraremos igualmente cidades vazias? – perguntou Hernando, não acreditando no que via.
Não sei mais o que esperar desse Inca – disse Pizarro. Assim, pediu a Pedro, seu jovem irmão, escudeiro e pajem, que enxergava muito melhor do que ele, que tentasse descobrir sinal de vida na cidade. Pediu que examinasse igualmente as vizinhanças da Cajamarca. Do alto, o rapaz olhou a cidade. Depois passou a examinar também seus arredores, até que descobriu um mar de tendas coloridas junto da encosta. Milhares delas! Apontou-as para Pizarro, que estremeceu.

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Uma cidade vazia

Em nome da Virgem! O homem esvaziou a cidade, e levou todo mundo para aquele acampamento! – exclamou. Cada um de nós, ao apertar os olhos e reconhecer o acampamento ao longe arrepiava-se ou recuava um passo, assustado. De onde estávamos avistávamos o acampamento meio escondido pelo arvoredo. Era, aliás, enorme. Senti logo frio na barriga. Meu primo fez um sinal da cruz.
Que o Deus-Pai nos poupe.


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“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

Morder a isca

Na cidade mesmo não havia ninguém. Não vimos vivalma nos templos ou nas ruas. Nada. Nem sequer um cachorro ou uma lhama. Pizarro abaixou a cabeça e ficou um instante pensativo e calado. Voltou-se, finalmente, para os cavaleiros a seu lado:
Essa cidade é uma isca. Atahualpa quer que eu a morda.
Soto olhou para Cajamarca ao longe:
E o que faremos?
Pizarro respirou fundo:
Vamos mordê-la.

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Ninguém abriu a boca. O silêncio foi total. Ou seja, podíamos ouvir até o som leve da brisa nas árvores. O Gobernador continuou examinando a cidade. Estava absorto em seus pensamentos e, aliás, mal respondia quando falavam com ele, fazendo um gesto com a mão para que se calassem. Arquitetava, portanto, um plano. O que poderia ele estar tramando?

Os planos de Pizarro

Homens! – disse, finalmente – Os guerreiros são numerosos, mas, na praça não há, entretanto, espaço para tanta gente. Ou seja, no lugar de um espanhol para cinquenta incas, seremos um para quatro ou cinco deles. Com os cavalos e a artilharia de Pedro de Candía bem posicionada, a vantagem será nossa. Em suma, o que temos a fazer é esperar que Atahualpa entre na praça com sua liteira. Desse modo, lá nós o pegaremos com facilidade.
Corri a mão pela barba, pensativo. O plano era ótimo, desde, porém, que o Inca de fato entrasse na praça. Mas, podíamos contar com isso? E usará a liteira?
Pizarro riu.
Não vai perder a chance de nos impressionar…

“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

Entramos na cidade

O Gobernador deu ordens para seguirmos em direção a Cajamarca. Olhei para o sol e calculei que devia ser meio-dia. Teríamos umas horas antes do crepúsculo.
Que todos os cavaleiros permaneçam montados. Os demais homens também fiquem atentos – disse Pizarro. Virou-se para Pablo e para mim:
Vocês dois, investiguem a cidade, as ruas e casas. Vejam, por exemplo, se não existem guerreiros escondidos em algum canto.
Assim, cautelosos, entramos em Cajamarca. Os tetos das construções eram de palha, com duas águas, sustentados por vigas apoiadas em paredes de pedra. Eu notara, aliás, que os incas não usavam telhas. Fazia sentido, pois, segundo soube, terremotos eram comuns no Peru. Melhor, portanto, um telhado de palha! Afinal, uma telha de barro de um telhado espanhol pode matar qualquer um.
A rua pela qual avançávamos era dividida por um canalzinho onde corria água fresca. Assim, uma pequena ponte ligava os dois lados. Posteriormente, eu descobriria ser essa a maneira, portanto, de os incas organizarem suas cidades.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

Espionando a cidade

Ao desembocarmos na praça principal, logo paramos, impressionados. Nela ficava o Templo da Serpente, conforme José, a pé ao meu lado, nos explicava. O outro grande edifício era o palácio do curaca dos índios cajamarcas, aliados de Atahualpa. As demais construções dos lados sul e norte da praça eram galpões retangulares, onde os índios armazenavam suprimentos.
Os lados leste e oeste da praça eram fechados por altos muros de pedra. Cajamarca fora construída bem ao lado de uma elevação no topo da qual existia um forte. Uma das ruas levava diretamente a ele.

Foto 13 – Jogo de xadrês, episódio 11

Percorrendo a cidade

Subimos também até o forte para verificar se estava vazio. Levamos José para o caso de precisarmos de um tradutor. Embora Pablo e eu soubéssemos muitas palavras de quéchua, José poderia também ser útil. Afinal, porque ele, ainda mais, já conhecia Cajamarca.
Avançamos devagar pela rua que levava à colina. Entramos também em várias casas, até nos convencermos de que a cidade estava deserta. Tudo aquilo nos pareceu, aliás, muito curioso. Ou seja, eu não conseguia imaginar que um rei espanhol pudesse mandar os moradores abandonarem sua cidade. Em outras palavras, obrigando-os a deixar seus lares.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

As casas incas

Os incas não usavam móveis. Dormiam em alcochoados de lã de lhama, comiam no chão. O único objeto, aliás, com aparência de móvel, estava pendurado numa viga: era uma espécie de berço de bebê. Num canto, dois porquinhos-da-índia alimentavam-se de verduras deixadas em uma tosca vasilha de barro. José me explicou que esses pequenos animais eram comuns em toda região montanhosa. Ainda mais, moravam com as pessoas em suas casas.
A gente daqui os come assados.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

Encostei a mão nas pedras do fogão de uma das casas: estavam frias. Logo, é provável que tivessem deixado Cajamarca no dia anterior. Devem, portanto, ter levado apenas a roupa do corpo e um ou outro objeto. Afinal, encontramos frutas diversas e algumas espigas de milho em um prato de cerâmica. Assim, sem pensar duas vezes, as dividimos entre nós.
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“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

A fortaleza de Cajamarca

Continuamos depois pela mesma rua até a escadaria que levava ao forte. Como suspeitávamos, o forte estava também abandonado. Os muros que protegiam a fortaleza lembravam, aliás, aquela na qual passáramos a noite. Assim, possuía igualmente um pátio com cômodos dos dois lados, onde eram armazenados alimentos e roupas. Pelo que pude perceber, aqueles índios criavam modelos e depois os reproduziam em toda parte.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

Pablo e eu aproveitamos, igualmente, para, mais uma vez, trocar nossas vestes de lã sujas por outras limpas e também guardar espigas de milho em uma bolsa que descobrimos no depósito.
Do alto tínhamos uma boa visão do acampamento de Atahualpa. Engoli em seco enquanto corria os olhos pela inifniidade de tendas repletas de guerreiros. Em suma, comecei a achar que não teríamos chances. Lembrei-me do que me dissera um cura em Sevilha quando eu ainda era menino:
Não se deve pedir demais a Deus.

Nas mãos de Deus

Permanecemos um bom momento assustados olhando o campo de Atahualpa.
Vamos morrer, pensei. Estava, aliás, nas mãos de Deus. Só pedi que minha morte não fosse demasiadamente sofrida. José, ao meu lado, talvez pensasse, aliás, a mesma coisa.
Espero que o Deus de vocês seja de fato muito poderoso.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

Depois lembrou-se. Tinha se convertido no Panamá. Corrigiu-se:
O nosso Deus, quero dizer.
Ajeitei meu capacete.
– Vamos voltar para a praça. Pizarro e tropa podem ficar preocupados com a nossa demora. Apoei a mão no ombro de Pablo e acrescentei:
É melhor não comentar com os soldados sobre o que vimos aqui de cima. Afinal, alguns podem tentar desertar e o Gobernador ficará irritado conosco.

Os embaixadores de Pizarro

Pizarro tinha agora a certeza de que tanto a cidade como a fortaleza estavam desertas. Assim, olhou para o céu e, calculou que teria algumas uma horas de luz. Assim nos enviou com dezoito outros cavaleiros e dois tradutores ao acampamento de Atahualpa. Hernando, igualmente, nos seguiu uma hora mais tarde, com mais dois homens a cavalo. As ordens, porém, eram de não provocar os índios e só fazer uso das armas em caso extremo.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

Cheguem, portanto, na condição de embaixadores, insistiu, dedo em riste. Logo, nada de arrumarem confusão sem motivo.Digam a Atahualpa que eu o convido a compartilhar minha refeição amanhã a noite.
Os homens se entreolharam e sorriram. Toledo, bem do meu lado, comentou em voz baixa:
– O Gobernador e Atahualpa jantando juntos…Vai ser muito engraçado. Os soldados passaram assim a gracejar, como para esconder o pavor que os tomara. Afinal, estavam todos tensos.
Saímos por um caminho de pedra muito bem construído, rodeado de canais que conduziam a água de um riacho até a cidade.

O acampamento

Do outro lado do rio começava o acampamento das tropas incas. Tudo muito organizado, aliás. Ou seja, com as tendas rigorosamente alinhadas, formando as “ruas” e “praças” que avistáramos do alto da fortaleza. Impressionado, comparei-o assim, com a bagunça dos nossos campos militares. Também me chamaram a atenção as vestimentas e os chapéus desses índios. Ou seja, cada grupo usava um tipo de roupa: Deviam, portanto pertencer a diferentes tribos integradas à força ao Império. Aquele exército era, portanto, formado por diversas tribos aliadas dos quitenhos.

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Entrando na toca do leão

Entrando na toca do leão

Era evidente que Atahualpa dera ordens para nos deixarem entrar. Entrar na toca do leão… Ou seja, os guerreiros em ambos os lados do caminho apenas nos olharam e afastaram-se, abrindo passagem para nós. Notei logo que encaravam com aprensão os cavalos que, para eles, eram bichos enormes. enfim, muito mais pesados e volumosos do que suas lhamas. Ninguém, aliás, entre aqueles guerreiros havia visto um animal desses antes. Seriam carnívoros ?
Eu e os demais companheiros, de nosso lado, disfarçamos nossa preocupação. Afinal, tínhamos motivos, já que éramos apenas duas dezenas e tínhamos à nossa volta milhares de guerreiros armados com porretes, arcos, fundas e lanças.

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Em outras palavras, não teríamos, portanto a menor chance se resolvessem nos atacar.
O caminho terminava em um pátio em frente à mansão do Inca, com tanques de águas termais. A casa era formada por quatro pavilhões de pedra em volta de uma grande piscina que recebia tubulações com água quente e fria. Ou seja, era onde o Inca tomava seus banhos sozinho ou acompanhado de suas concubinas. Aliás, quem ali entrasse sem permissão pagaria o desaforo com a própria vida.

Cadê Atahualpa?

– Não desmontem, nos avisou Soto. Ordenou a José: –Avise que queremos falar com Atahualpa.
Nenhum guerreiro se moveu, mas pouco mais tarde um Orejón, se apresentou, dizendo que levaria nossa mensagem ao soberano. Ficamos, porém, um bom tempo aguardando, impacientes, com o coração batendo disparado. Ouvimos, então, cavalos se aproximando. Voltei-me. Era Hernando Pizarro que chegava. Nos vendo à espera, parados, sem saber o que fazer, perguntou, assim, o que estava sucedendo:

“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

Não sei….Foram busca-lo, mas ele não aparece.
Como assim, não aparece? – Olhou para José e disse: – Chamem novamente o homem! O intérprete obedeceu, mas ninguém deixou a casa. Hernando Pizarro irritou-se:
Carajo… Diga ao cachorro que saia!
Mesmo acostumados com a ousadia e, ainda mais com modos de Hernando, ficamos atônitos. Sem mover a cabeça, olhei com o canto dos olhos para a multidão de guerreiros perto de nós.

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O orejón de novo

Ao ouvir o vozerio de Hernando o Orejón saiu da casa. Era, aliás, o mesmo que ela afastara a ponta-pés. De novo aquele homem!
O Orejon conhecia a palavra perro porque quando espionara nosso acampamento nos perguntou que nome dávamos aos cães. Seus olhos faiscaram de raiva pelo insulto e pór se deparar com Hernando.

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Voltou para dentro da casa indo se encontrar com Atahualpa. O Inca escutava tudo sentado em uma banqueta que llhe servia de trono. Uma cortina semitransparente lhe permitia nos ver sem ser visto. Soto aproximou seu cavalo da porta e mandou que o intérprete traduzisse suas palavras.
Diga-lhe que o Gobernador Pizarro o convida a encontrá-lo e comer com ele.
Atahualpa continou atrás de sua cortina e não respondeu. O Inca, normalmente, só se dirigia a alguém de frente para recompensar ou punir.
Hernando impaciente, disse palavrões em voz alta.
Esse filho da puta me deixa nervoso!

Atahualpa se mostra

Nesse momento dois índio afastaram a cortina e pudemos, assim, ver Atahualpa em seu minúsculo trono, com índias junto de si, sentadas em esteiras.
Era esse, então, o homem que tanto temíamos. O Inca, de cerca de 35 anos não era baixo nem alto e tinha um porte altivo. Notei, também, que ao contrário de outros índios que vira, usava os cabelos compridos. Suas roupas eram especialmente bem tecidas e de várias cores.
O Inca não portava coroas como os reis europeus, mas apenas uma tiara vermelha na cabeça, símbolo de sua dignidade real.
Coube a José apresentar os espanhois como embaixadores de Pizarro que o convidava a cear no dia seguinte.

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Conversando com Atahualpa

Atahualpa dirigiu-se a Soto. Disse que aceitava ser amigo de Pizarro. Hernando, porém, não gostou nem um pouco de ser ignorado. Virou-se, assim para José:
Diga a ele disse, indicando Atahualpa com um gesto de cabeça.– Soto e eu somos iguais e estamos ambos aqui em nome de nosso rei e igualmente de nosso deus.

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“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

Soto, percebendo que a situação poderia se complicar, mandou que o intérprete avisasse;
Ele é irmão de Francisco Pizarro.
Dessa forma, pela primeira vez, Atahualpa dirigiu-se a Hernando:
Você maltratou meus curacas e meus Orejons.
Só maltratei quem atacou e matou cristãos. Não faremos guerra contra seus curacas. Porém, quando somos atacados, nós, os espanhois, lutamos até o fim e destruímos quem nos ameaça. Mas, Pizarro quer ser seu amigo. Vai, portanto apoia-lo nessa guerra contra Huáscar. Dez dos nossos homens a cavalo acabam com qualquer curaca inimigo.

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Bebam

Atahualpa não respondeu. Mas, em seguida mandou que as índias trouxessem dois copos de ouro com chicha. Ofereceu, assim, um deles a Soto. Porém, avisou que quando se encontrassem o Gobernador devia lhe devolver tudo o que os viracochas tinham saqueado desde sua chegada a baía de San Mateo. Aliás, creio que estava iritado com o fanfarrão, a quem estendeu o outro copo de chicha. Disse:
Avise seu irmão que amanhã irei encontrá-lo. Bebam.

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Nenhum dos capitões quis beber. Ou seja, temiam ser envenenados.
Atahualpa sorriu e entendeu a desconfiança dos espanhois. Pediu os copos de volta. Depois tomou um gole de cada um e os devolveu a Soto e Hernando. Somente então os dois, após uma troca de olhares constrangidos aceItaram beber.

A exibição de Hernando

Em seguida Soto se dispôs a exibir o que um cavalo era capaz e, mostrar igualment, seu domínio sobre o animal. Pretendeu, portanto impressionar os índios e o próprio Atahualpa. Assim, partiu disparado até a outra ponta do pátio, depois puxou as rédeas, freando bruscamente. Demonstrou, assim, que podia fazer seu cavalo mudar de direção, empinar, desviar. Exagerou, porém, ao avançar a toda velocidade sobre Atahualpa, que continuava sentado. Parou a poucos palmos do Inca, enquanto o cavalo empinava e relinchava. Respingos da narina do animal atingiram o soberano.

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“O Ouro Maldito dos Incas” – Jogo de xadrês

Atahualpa não se impressiona

Mas, se sua intensão fora intimidar o Inca, não teve sucesso. Em suma, Atahualpa manteve-se impassível em seu banquinho, sem demonstrar medo. Surpreendemo-nos, portanto, com a segurança demonstrada pelo monarca. Perguntei-me, inclusive, se o capitão Soto não se sentira sem graça ao ver que sua exibição não tivera o efeito desejado. Por outro lado, o espetáculo teve impacto entre os presentes. Ou seja, muitos súiditos do inca, apavorados, fugiram. Soubemos, mais tarde, que Atahualpa, indignado, disse aos seus índios que o cavalos era apenas um animal, como uma lhama. Apenas maior e menos dócil. Os que fugiram eram covardes que o envergonharam. Como castigo, mandou mata-los.

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Os costumes incas

De onde eu estava, pude observar os curiosos costumes dos soberanos incas, que José pode me explicar ao voltarmos para Cajamarca. Quando Atahualpa ia cuspir, uma das índias ao seu lado estendia a mão, aparando a saliva para que não atingisse o solo. Em outro momento, quando um dos fios de seus longos cabelos caiu, a outra índia estendeu a mão rapidamente, o pegou e engoliu.

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A finalidade, segundo José, era, dessa forma, impedir que a saliva ou um fio do cabelo do soberano pudessem ser usados em sortilégios ou algum tipo de feitiçaria. Pude notar também que as roupas do inca eram de uma lã delicadíssima. Quase tão fina, aliás, quanto algodão. Era lã de alpaca, um animal semelhante a lhama, porém menor, que eu já vira antes.

Siga a continuação desta postagem: Esperando Atahualpa

Como um analfabeto no comando de menos de duzentos homens, com pouca ou nenhuma experiência militar, conseguiu dominar um império de doze milhões de pessoas ?
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