A guerra civil no Império Inca: um país dividido
Um guerra civil Inca dividiu o Império. Desejando saber mais sobre o que acontecia, Pizarro ao contrário do que esperávamos, poupou a vida de Chilimasa. Queria tê-lo consigo e interroga-lo mais a fundo. Assim, quando alguns, como Hernando e Gonzalo, protestaram, o Gobernador explicou: o homem poderia ser útil. Olhou-o com o rabo dos olhos:
– Ele sabe de muitas coisas.
Pizarro nos ordenou, então, marchar para Tumbes. Ao nos aproximarmos, ficamos chocados com a destruição. As tropas de Atahualpa, aliadas dos índios de Puná devastaram o território. Assim, quando entramos na cidade vimos corpos das vítimas dos ataques apodrecendo dentro de cabanas. Muitos estavam parcialmente comidos por ratos e insetos. Ou seja, nós, que esperávamos encontrar ouro e alimento na cidade visitada por Molina três anos antes, nos decepcionamos.
Guerra civil no Império Inca: destruição e morte em Tumbes
A cidade estava vazia. Ou seja, a população que sobrara, assustada conosco, se deslocara para o sul, às margens do rio Tumbes, que corta a região.
Descobrimos também que nossa visita anterior a Tumbes era a provável causa da epidemia de varíola. Fora essa região, onde encontráramos os primeiros sinais de riqueza, que nos fizera tentar a conquista desse território. Agora, tudo o que deparávamos era somente um espetáculo de destruição e morte.
A cidade de pedra de Molina
Nos supreendemos, entretanto, ao chegar a Tumbes. Ou seja, embora tivesse muralhas, não era uma cidade com paredes de pedra, como no desenho feito por Candía. As construções eram de adobe.
PIzarro interrogou o grego. Este abriu os braços e confessou que inventara a tal cidade de pedra para impressionar os conselheiros reais. Conseguira! Ou seja, seu desenho fora, na realidade, inspirado em ruínas da ilha de Creta, onde nascera. Pizarro o fitou muito sério, olhos arregalados.
– Em outras palavras, então tudo isso era mentira?
– Senhor… Se eu não tivesse feito isso, não teríamos obtido nada do Conselho… Meu desenho ajudou portanto a convencê-los. A mentirinha ajudou...
Voltamo-nos para o grego, incrédulos. Ele era ousado! Enganara o rei e toda sua corte. Pizarro ficou um momento parado, encarou Candía, disfarçou um sorriso:
– Pela Santa Virgem! Se souberem disso em Madri nos matam…
As doenças de guerra
Meu primo ficou com Felipillo e José. Afastei-me com Pizarro, seus irmãos e outros veteranos que faziam, em razão de sua experiência, o papel de oficiais. Formamos logo uma roda. Pizarro sentou-se numa pedra. Olhou-nos e comentou o que os intérpretes comentaram. Ou seja, que a maioria dos índios, ao contrário dos espanhóis, não tinham a menor resistência a varíola, sífilis e, igualmente, a outras doenças do homem branco.
Dessa forma, as doenças espalhavam-se pelas aldeias como uma praga. Era triste, mas não pudemos deixar de pensar que, para nós, espanhóis, era igualmente útil, porque abalava o mundo deles. Segundo fomos informados, as primeiras pessoas a adoecer foram as índias violentadas pelos soldados. Os poucos indígenas que tiveram contato com os espanhois que tinham ficado em Tumbes na expedição anterior igualmente se contaminaram..
– Foder as índias virou arma de guerra– comentou um dos presentes, o que fez os soldados caírem na risada.
Doenças como armas de guerra
Hernando levantou-se, passou a mão pela barba, olhou para o chão. Ele tinha uma teoria:
– Sabe o que mais, Gobernador? O melhor é pegar umas índias, deixar os soldados se divertirem com elas. Depois as soltamos para que voltem às suas aldeias. Assim, é só esperar que fiquem com aquelas manchas vermelhas na pele. Passarão doenças para todo mundo. Desse modo haverá mais um problema para eles se ocuparem e menos gente para nos atacar.
A doença se espalhando
Pizarro não disse nada, só franziu o rosto, pensativo. A maioria compartilhava da opinião de que, quanto mais selvagens morressem, melhor seria para nós. Nem todos os indígenas, porém, sucumbiam quando contraíam essas enfermidades no contato conosco. Os intérpretes, por exemplo, continuavam saudáveis. Porém, uma única índia doente poderia, entretanto, dar cabo de mais guerreiros de sua aldeia do que um de nossos esquadrões a cavalo. Seus cemitérios escavados em montanhas, perto de Cusco, estavam, aliás, ficando lotados.
Talvez fosse, enfim, a vontade de Deus que as coisas se passassem daquela forma. Era possível, em suma, que os cristãos contassem com a ajuda divina. Ela seria talvez necessária para destruir um reino cruel, em que pessoas eram sacrificadas diante de ídolos pagãos. Em suma, e povoá-lo com homens tementes a Deus. O galeguinho, meu primo e Toledo concordaram. Ortiz sorriu enigmático:
– Talvez…
Maizavilca
Em 16 de maio partimos de Tumbes. Nossa próxima etapa foi um povoado chamado Poechos. Seu cacique, de nome Maizavilca, nos recebeu com boa comida e, ainda mais, nos ofereceu cabanas decentes, onde poderíamos ficar e uma índia para nos servir.
Pizarro ponderou que não seria bom naquele momento criar problemas com os nativos. Ou seja, duvidava de que seus homens se portassem com dignidade se vissem ouro ou uma índia bonita. Dessa forma, mandou-os que acampassem fora do povoado.
A região, aliás, pareceu a todos muito agradável. Nosso comandante achava que precisávamos tomar fôlego. Afinal, tínhamos frutas, milho, batatas, abóboras e carne para comer.
Os caciques e os viracochas
Outros caciques da região foram para Poechos conhecer os tais viracochas. Assim, Pizarro pode lhes falar do rei da Espanha, da religião católica e da Verdadeira Fé. Todos escutaram com muita atenção o que ia sendo traduzido por Felipillo. Não devem, entretanto, ter entendido quase nada. Aliás, o cristianismo e seus dogmas talvez fossem assuntos muito complicados para selvagens. Afinal, cultuavam o o sol, e outras divindades que vimos em templos incas.
Hernando Pizarro
Apesar das boas relações do Gobernador com Maizavilca, dias mais tarde um grupo de espanhóis que participava de uma expedição nos arredores foi atacado. Decidido assim a punir os culpados, Pizarro partiu à sua captura com um grupo de cavaleiros. Nos deixou, portanto, sob o comando de Hernando, considerado antipático pela tropa.
– Em Sevilha, dizia-se que ele era tão orgulhoso quanto pobre… Era filho legítimo de um fidalgo, mas não tinha onde cair morto. Agora vive destratando todo mundo – disse-me Ortiz, que também não gostava dele.
Hernando se indispõe com os índios
Hernando exigia, ainda mais, de modo arrogante, que os índios lhe trouxessem comida e capim para os cavalos. Por qualquer motivo os punia de forma cruel e humilhante. Sua atitude acabou, portanto, com a boa vontade dos nativos para conosco. O que antes faziam de bom grado, agora, porém, se recusavam; só aceitavam colaborar quando ameaçados por Hernando e seus cães. Gonzalo e Juan Pizarro também contribuíam para envenenar a situação com os índios. Ou seja, maltratavam os nativos sem nenhum motivo.Anteriormente, aliás, mais de uma vez o Gobernador chamou sua atenção. Mas, parece que não adiantou muito. Afinal seus irmãos eram não apenas grosseiros, mas de caráter difícil. O melhor deles era o jovem Pedro, que trabalhava como pajem para Pizarro.
Um curioso personagem
Certa manhã chegou à aldeia um curioso personagem, com um cesto de frutas nas costas, oferecendo-as aos soldados em troca de um botão ou de uma fivela velha. Os soldados riram de seu jeito, porém, deixaram-no perambular pelo acampamento.
O índio, demasiado curioso, com a cabeça coberta por um gorro, prestava atenção em tudo. Nas armas que usávamos, nos cavalos, principalmente, em como as ferraduras eram colocadas nos animais, o que comiam. Reparou igualmente nos cachorros e, em nós. Com seus olhos atentos e suas enormes orelhas não perdia um movimento nosso.
Os piolhos que infestavam os soldados
Detinha-se até para admirar o trabalho do barbeiro, encarregado de raspar as barbas e os cabelos dos que pegavam piolhos. Os insetos, aliás, infestavam as cabeças de muito dos soldados. O índio olhava para nós como se comparasse os rostos de espanhóis com barba e sem ela. Ao que parece estava surpreso com a quantidade de piolhos que pegávamos. Afinal, raramente tomávamos banho.
Está olhando o que?
Depois de uns dias, ele se aproximou de Toledo, que costurava uma camisa, e deu um puxão em sua barba. A reação de Álvaro foi imediata: deu uns bofetões no índio, insultando-o e chamando-o de filho de uma cadela.
O curioso nativo, para seu azar, acabou se indispondo igualmente com Hernando Pizarro. Chegou muito perto dele e observou-o de modo insistente, o que chamou a atenção de nosso irascível capitão.
– Está me olhando assim por quê?. E expulsou-o a pontapés.
O interrogatório de Hernando
Dois dias mais tarde, Pizarro chegou à aldeia com curacas acorrentados.
– Foram os que comandaram os ataques contra os espanhóis, avisou a Hernando, que fora recebê-lo na entrada no povoado. Estava decidido a dar-lhes uma lição. Obedeciam Atahualpa porque o temiam? Bem, era preciso começarem a também nos temer. Ainda mais, alguns soldados começavam a dar mostras de insatisfação à medida que ouviam boatos de que Atahualpa nos esperava com milhares de guerreiros. Já havia quem falasse em se abrigar os navios que nos acompanhavam. Chegara, portanto, a hora de mostrar firmeza.
Os caciques capturados foram assim colocados no centro de uma roda formada por soldados, para serem submetidos a um rigoroso interrogatório. Hernando quis que fossem executados de imediato e entregues aos seus cães, como, aliás, ele já fizera antes com dois índios teimosos que o desobedeceram e acabaram dessa forma despedaçados a dentadas.
Os cacique estrangulados
Dessa vez, porém, Pizarro quis proceder de modo formal, aplicando a pena de morte segundo as leis espanholas. Portanto, os caciques foram apenas interrogados por Hernando, que os ameaçou com seus cães para fazê-los falar.
Como esperávamos, confessaram o que ele queria: pretendiam matar nossos soldados. Assim, foram amarrados em um poste na frente dos espanhóis e dos índios, que, mais afastados, assistiram ao estrangulamento. Nós já sabíamos nesse caso como funcionava. A simples execução consistia em quebrar rapidamente o pescoço do condenado. Nesse caso não. O infeliz morria sufocado. A boca se abria sozinha, os olhos ficavam esbugalhados, até que, completamente sem ar, o pobre diabo finalmente morria.
Uma punição sofrida
Os índios, embora acostumados com as crueldades praticadas pelos incas, ficaram impressionados. Eu e outros soldados nos sentimos, entretanto, incomodados. Afinal, era desagradável para a maioria assistir a essas execuções. Muitos, entretanto, pareceram gostar, como Juan e Gonzalo Pizarro, que não se comoviam. Ou seja, não se chocavam com nada e até gracejavam.
Em seguida os corpos foram jogados numa grande fogueira. O odor de carne queimada nos revirou o estômago. A execução assustou não apenas os índios; mas também fez os soldados que falavam em desertar calarem a boca.
A fuga de Maizavilca
No dia seguinte, Maizavilca, apavorado, depois de ser agredido por Hernando, tentou fugir, mas foi capturado por por Ponce de León poucas léguas adiante. Quando foi colocado diante do Governador, Pizarro o interrogou. Queria saber a razão de sua fuga. Teria algo a ver com a rebelião dos caciques?
Maizavilca jurou que não. Quem traduziu suas palavras foi José.
– Ele apenas teve medo, senhor.
Pizarro segurou o curaca pelos cabelos e olhou para o intérprete.
– Pois bem, diga-lhe que, se for nosso amigo leal, não terá o que temer. Mas se nos trair, será morto. Desta vez, pelos cães de Hernando. Soltou-o e virou as costas.
O está acontecendo?
Abordei José logo em seguida.
– O que está acontecendo com essa gente?
O índio abaixou a cabeça e permaneceu calado.
– Fala, homem! – insisti.
Ele suspirou, ergueu os olhos para mim.
– Temem Atahualpa. Tomaram partido de Huáscar e você viu o que se passou: as mortes, a destruição das aldeias… Muitas delas foram incendiadas. Agora eles têm muito medo de Pizarro, mas continuam temendo Atahualpa, que está por trás dos ataques contra os espanhóis.
Entre a cruz e a espada
José prosseguiu.
– Assustam-se com os cães de Hernando, mas, ao mesmo tempo, têm medo de, ainda vivos, terem a pele arrancada. Em suma, acreditam que seus filhos possam ser mortos pelos quitenhos; que suas mulheres, entregues aos soldados de Atahualpa, nunca mais voltem. Não sabem que atitude tomar.
Mordi os lábios. Logo entendi a situação dos nativos e cheguei a ficar com pena desses coitados. Mas, o que poderíamos fazer, se nos atacavam?
Siga o relato: San Miguel de Tangarará
Como um analfabeto no comando de menos de duzentos homens, com pouca ou nenhuma experiência militar, conseguiu dominar um império de doze milhões de pessoas ?
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