A caminho de Cusco
Finalmente: rumo a Cusco! Parti com meu primo, José e o galego, acompanhado pelos sacerdotes incas e, igualmente, por dois escravos africanos, carregadores nativos e lhamas de carga. Por sorte, a estrada para Cusco tinha longos trechos planos. Dessa forma, pudemos percorre-los a cavalo. Ou seja, só desmontávamos em trechos de escadarias e nas pontes. Os índios e uma vintena de lhamas transportariam as peças de ouro que seriam posteriormente retiradas dos templos cusquenhos.
Perguntei-me, mais de uma vez por que aceitara ir a Cusco. Enfim, a recompensa em ouro era, claro, um bom motivo. Mas, pesou em minha decisão a vontade de me afastar de Cajamarca e de tudo o que vira naquela cidade, que, para minha mente, equivalia à ideia da morte. O odor de morte desaparecera, mas não consegui esquecê-lo. Enquanto estivesse lá pensaria nos corpos esfacelados. Em suma, era bom, portanto, poder partir um tempo, ficar longe de tudo aquilo.
Dias seguidos de caminhada
Foram dias seguidos de marcha, mas, daquela vez pelas ótimas estradas que levavam à capital. À noite, alojávamo-nos nos tambos, onde tínhamos direito também a uma boa refeição. As acomodações em dormitórios atapetados com espessas peles de lhama eram também confortáveis.
Nosso galego estava extasiado:
– Vejam isso!
Era incrível como, em plena guerra, tudo funcionava. Em alguns lugares passávamos por pontes suspensas ou de pedras, tão bem construídas como as que víamos na Espanha. E, ainda mais, não usavam argamassa.
Pareciam frágeis, rangiam quando passávamos, mas suportavam o peso de cavalos. Bastava desmontar e puxá-los. A travessia, porém, tinha que ser feita com extremo cuidado. Ou seja, o risco de um acidente era grande, principalmente por causa dos cavalos. As lhamas, entretanto, trafegavam por essas pontes mais facilmente, já que habituadas às alturas.
Paisagens andinas
As paisagens que atravessávamos em nosso caminho eram bonitas. Dessa forma, às vezes parávamos para admirá-las. Muitas vezes deparávamos com vales, de um verde amarelado, rodeados por altas montanhas escuras, com cumes nevados e picos intransponíveis.
Vez ou outra, passávamos por aldeias bem cuidadas. Os terrenos acidentados eram cultivados em plantações em terraço. Cada terraço era protegido por muros de pedras e irrigado por pequenos canais. Eu nunca vira isso na Espanha, em lugar nenhum, aliás. Dessa forma, mesmo os terrenos de montanhas íngremes eram inteiramente aproveitados.
Que povo estranho!
Tão adiantados em certas coisas e tão ignorantes em outras. Ou seja, não usavam carroças, mas tinham estradas. Da mesma forma, não utilizavam moedas, mas não existia ninguém tão pobre que passasse fome, como era comum na Espanha. Também era notável sua obediência.
Eu desconfiava que os sacerdotes incumbidos de nos acompanhar até Cusco não gostavam de nós. Mas, nos obedeciam, pois Atahualpa lhes dera essa ordem. Assim, parávamos nas aldeias que queríamos e, se desejássemos uma indiazinha, era só avisar os sacerdotes para que a trouxessem, fosse dia, fosse noite.
Uma ou duas vezes ao dia, quando nos dava vontade, parávamos em uma aldeia e íamos para uma cabana vazia com uma moça. Assim, nos satisfazíamos e seguíamos viagem, sem que ninguém, aliás, ousasse protestar. Eu tinha preferência por aquelas em torno de dezoito ou vinte anos. Meu primo, porém, preferia as bem novinhas, cujos seios estavam ainda despontando.
Nós e as índias
Notei que o galeguinho era rude com elas. Desconfio que sentia prazer em atormentá-las. Eu nunca as maltratava sem motivo. Em geral eram dóceis; só uma resistiu a mim, fechando as pernas. Fiquei irritado e não consegui mais possuí-la .Em suma, ela conseguiu inibir meu desejo. Levantei-me da cama e puxei-a, levando-a até meu compatriota jovem e bruto.
– Dê um corretivo nela; está dando trabalho. Mas não a machuque. Entendeu bem?
Era tudo o que ele queria. Estava cansado de me ouvir dizer que não era coisa de cristãos maltratar alguém desnecessariamente.
Da sala em que eu estava, escutava o barulho de tapas e o choro da índia. Tive, finalmente, que interromper:
– Chega!
Reflexões de viagem
Naquela viagem, retomei hábitos quase esquecidos do tempo em que permanecemos no Panamá. Em suma, comecei a beber. Assim, quase todas as noites eu me embriagava com copos e copos de chicha.
Não queria ter que pensar em nada do que fazia. Afinal, estava quase me igualando, no modo de ser e no comportamento, a Pablo e a Carlos. Ou seja, às vezes não me reconhecia. Queria distrair a mente. Ou seja, escapar de minhas dúvidas, rir das anedotas sem graça dos dois companheiros e dormir com as nativas.
Notamos que, em muitas aldeias, boa parte dos índios estava doente, com varíola, sífilis e outras enfermidades. Em resumo, essas doenças se espalhavam pelo país como uma epidemia. Em muitas casas, aliás, toda a família tinha sido contaminada. O curaca de uma das aldeias em que paramos me disse que quase metade de seus habitantes morrera.
Sacsayhuaman
Depois de muitos dias de viagem chegamos, finalmente, a uma imensa fortaleza construída com pedras. Ficava na entrada do acesso à cidade. Parei, assim, para admirá-la. Olhei para seus muros e quase duvidei de que seres humanos pudessem ter construído aquilo. Como conseguiram encaixar tão precisamente aquelas pedras descomunais, cada uma em seu lugar? Nem o Alcázar de Sevilha podia se comparar a essa construção.
Os sacerdotes que nos acompanhavam disseram chamar-se Sacsayhuamán. Situada na borda mais elevada do vale, no fundo do qual avistamos Cusco, ela ocupava, dessa forma, toda a extensão de um longo platô.
A fortaleza de Sacshuaiaman era não somente um posto avançado inca protegendo a entrada principal de Cusco, sua capital, mas igualmente um centro de culto aos seus deuses pagãois. Reparamos que algumas de suas predras eream pesadísimas, enormes, mas encaixadas uma na outra. Ou seja, provavelmente suas muralhas resistiram até mesmo aos nossos tiros de canhão.
Chegando a Cusco
Descemos a encosta. As ruas de Cusco eram bastante retas e estreitas, com casas de pedra, cobertas de palha, dos dois lados. Junto às portas das casas os habitantes, sem nada entender, encaravam curiosos nossa caravana. Aliás, nunca tinham visto antes um homem branco e nem mesmo, a um negro, como nossos escravos. Igualmente nunca viram um cavalo na vida, o que os deixava muito intrigados.
Do mesmo modo como em Cajamarca, a entrada da cidade levava a uma ampla praça. Cusco era tão grande quanto Sevilha, porém, muito mais limpa. Em certos trechos havia, como víramos em Cajamarca, pequenos canais com pontezinhas de pedra, por onde corria água limpíssima que se podia beber.
Talvez Pablo e Carlos não dessem a mínima importância para isso, mas éramos os primeiros cristãos a chegar a Cusco e a conhecer a capital do Império Inca.
Os primeiros de toda a Europa. Senhor! Lamentei, porém, que Ortiz não estivesse conosco. Ou seja, só ele entenderia a sensação de estar em um lugar em que nenhum branco jamais pisara. Quem, aliás, poderia imaginar que naquelas terras poderia existir uma cidade assim? Entrando pela longa rua que levava ao centro, notei o perfeito alinhamento das construções. Na Espanha, quase todas as vias eram tortuosas.
Siga o relato:
Como um analfabeto no comando de menos de duzentos homens, com pouca ou nenhuma experiência militar, conseguiu dominar um império de doze milhões de pessoas ?
Siga a continuação desta postagem:
Cusco, a capital do Império Inca
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Temos, igualmente, neste blog o livro A vaca na estrada, fartamente ilustrado. É o relato de uma viagem sabática, de carro de “Paris a Katmandu” com um amigo francês. Uma longa aventura por desertos e montanhas na Turquia, Irã, Afeganistão (antes do Talibã), Paquistão, Índia e Nepal.