Tomando decisões
A única vantagem era que, tínhamos, nessa ilha do cacique Tumbala comida, índias e igualmente e certo conforto. Suportávamos, entretanto, o calor abafado e éramos, igualmente, atormentados por nuvens de mosquitos. Ou seja, bichos malditos que nos picavam rostos, braços e pernas. Dessa forma, esses mosquitos tornavam nossas vidas impossíveis e, ainda mais, nos impediam de dormir.
O cacique Tubala
Naquela mesma tarde, Felipillo advertiu Pizarro que o cacique Tumbala certamente tramava algo. O capitão nos olhou pensativo. Enfim, sei que estava avaliando a situação. Voltei-me para José, perguntando-lhe o que achava, já que desconfiava um pouco de Felipilo. Em suma, nunca tinha certeza de que estava falando a verdade. Em outras palavras, o índio tinha também seus interesses. José coçou a cabeça devagar.
– Não sei, senhor. Mas é possível…
Atacar Tumbala primeiro
O Gobernador nos chamou para sua cabana, bem grandinha, se comparada com as demais ocupadas pelos soldados. No centro havia inclusive uma longa mesa, tosca e pesadona. Perfeita para as conversas com o Gobernador. Desta vez, aliás, parecia assunto sério. Um silêncio pesado tomou conta da cabana. Podíamos, assim, até escutar o esvoaçar das moscas em torno do licor de milho derramado nas táboa de madeira. Pizarro foi para uma das pontas da mesa, mandou que nos sentássemos. Ele tinha sempre a palavras final, mas gostava de escutar outras opiniões.
– O que pensam?
Pegar a raposa
Hernando Pizarro e Soto achavam que, antes de mais nada, devíamos aprisionar Tumbala. Outros, entretanto, temiam que isso piorasse as coisas.
Soto e Hernando discordaram:
– Não importa o que façamos, esses miseráveis irão nos atacar.
O Gobernador parou, coçou a cabeça e concluiu:
– Vamos atacar primeiro, prender o cacique. É nossa melhor defesa.
A captura do cacique
Assim, no outro dia, Soto, Hernando Pizarro, Pablo e eu, e outros soldados nos preparamos. Assim, aguardávamos sua chegada, fingindo estar cuidado dos cavalos. Ou, ainda, nos mostrando distraídos com pequenas tarefas, para disfarçar nossas intenções. Quando o curaca finalmente apareceu, Hernando e Gonzalo Pizarro lançaram-se sobre ele, imobilizando-o. Seus guerrreiros, cercados por nossos cavaleiros, nada, portanto, puderam fazer e fugiram correndo.
Batalha contra Tumbala na ilha
Conseguimos captura-lo, mas, demos início a uma guerra declarada. Assim, no dia seguinte parte dos selvagens tentou assaltar o navio que desembarcara tropas. Os demais avançaram contra nós. Pizarro intimou Tumbala a obrigar seus homens a cessarem o ataque, mas o índio respondeu, por meio de um intérprete, que seria inútil:
– Não tenho esse poder.
Pizarro, então, deu ordem de atacar. Como os nativos eram numerosos, houve momentos em que a situação se complicou. Em suma, perdemos dez homens e também diversas montarias. Muitos foram feridos, inclusive Hernando Pizarro.
Como caçar cordeiros
Graças à Virgem, os índios não eram, porém, páreo para nossas armas de fogo e nossos lanceiros a cavalo. Quando arremetíamos sobre eles, lanças nas mãos, saíam correndo. Ao debandarem, assustados com os cavalos, tornavam-se alvos fáceis. Eram alcançados por soldados a galope, que os atravessavam com suas lanças, como faziam para caçar cordeiros.
Sabres, um combate desigual
Pablo e eu sabíamos montar a cavalo, o que nos ajudou bastante. Logo aprendemos a usar bastante bem os sabres e, igualmente as lanças. Mas, na Espanha, nunca tínhamos segurado uma. Só depois, aos poucos, nos tornamos mais familiarizados com essas armas. Eu preferia o sabre. Um golpe na cabeça, bem dado, bastava. Na Europa, todo soldado usa capacete; aos índios, não. Quando o infeliz caía, eu nem voltava para verificar se estava morto.
O que queríamos era dar uma lição nesses selvagens; não era essencial matá-los. No corpo a corpo, igualmente, os indígenas não tinham absolutamente nenhuma chance. Seus porretes e, principalmente, machadinhas de bronze com cabos de madeira, nada podiam contra nossas espadas de ferro. Em suma, um combate desigual e totalmente a nosso favor.
Aprendendo a lutar
Os índios poderiam muito bem ter acabado conosco. Em suma, bastariam seguidas saraivadas de flexas, ou pedras arremessadas por fundas, de longe. Em outras palavras, fora, portanto, do alcance de nossas espadas. Mas, no lugar de nos enfrentar, quase sempre fugiam apavorados pelas armas de fogo e pelos cavalos. Em suma, sua pior fraqueza era, portanto o medo. Infelizmente, com o tempo, foram aprendendo a nos enfrentar, usando mais as fundas e o arco e flexa. Essas fundas, principalmente nos preocupavam. Sabíamos que esses índios eram muito habilidosos em utilizá-las.
Falta de treinamento militar
A maioria de nós não tinha nenhum treinamento militar. Mais da metade da tropa nunca participara de uma guerra. Tivemos apenas a sorte de nos confrontar com um povo dotado de armamento muito inferior ao nosso. Na Espanha éramos pessoas comuns, comerciantes, como eu, artesãos ou gente do campo, mais habituados com o arado do que com a espada. Pablo e eu sabíamos montar a cavalo, o que nos ajudou bastante. Logo aprendemos a usar bastante bem os sabres e, igualmente as lanças. Mas, na Espanha, nunca tínhamos segurado uma.
O treinamento com Hernando
Pizarro encarregara Hernando, militar profissional, de treinar os homens. Embora eu não simpatizasse muito com ele, por ser ríspido com todo mundo, tenho, porém, que reconhecer: o homem nascera para ser um guerreiro. Diferentemente de Pizarro, que só matava quando não tinha outro jeito, Hernando sempre gostou de matar. Ou seja, era um matador de homens. Talvez por isso fosse o melhor treinador para a tropa. Aliás, ele achava inadmissível que um soldado fosse ruim de pontaria com arcabuzes.
Também ficava indignado se um lanceiro errasse a estocada.
– Se errar, dizia ele, o índio usará sua funda e o atingirá com uma pedra. Você morre como um passarinho. Essas fundas que utilizam são, às vezes, mais perigosas que seus arcos e flechas.
(Nota do autor. Gonzalo ( irmão de Pizarro foi posteriormente morto por uma pedrada em um combate contra os incas sublevados, no Vale Sagrado)
Embora tenha igualmente treinado soldados a pé, Hernando sabia, entretanto, que a cavalaria era um de nossos principais trunfos.
– Na Europa todos os exércitos têm cavalos. – Aqui não, disse dando uma sonora escarrada no chão.
As montarias nos dão, portanto uma montagem fabulosa. Além disso, como vocês estão cansados de saber, esses índios se cagem de medo desses bichos. Em suma, vamos aproveitar nossa vantagem.
Alvo com cabeça de abóbora
Utilizamos roupas velhas de índios para fazer um boneco representando um nativo, pendurado num galho com um pedaço de corda. A cabeça era feita de abóbora, uma espécie de fruta de gosto estranho que aprendemos a comer assada. Desejando um efeito bem realista, Hernando mandou pintar um coração no boneco e buracos na abóbora, como se fossem olhos e uma boca. Para não arrebentar rapidamente o boneco, a “lança” tinha ponta rombuda envolvida em lã de lhama. O sabre era também envolvido em lã. Com a lança, tínhamos que atingir o coração vermelho do boneco. Com o sabre, a cabeça do boneco. Só um toque leve, sem destroça-la.
Alvejados por abacates verdes
Nós, veteranos, já éramos bons no uso da lança, mas os novatos sofreram nas mãos de Hernando, que parecia sempre mal-humorado. Um dos exercícios era com lança, outro com sabre. Com a lança tínhamos que atingir o coração amarelo do boneco. Para dificultar, Hernando pediu a alguns de nós que arremessássemos abacates verdes no cavaleiro, como se fossem pedras atiradas por fundas.
Carlos, mirradinho e desajeitado, ficou com medo de receber o abacate verde no rosto. Assim, errou o golpe e foi chamado de “cagão”.
– Você devia ser colocado para lavar roupa com as índias ou carregar provisões nas costas, esbravejou Hernando. Se não é macho, não vá para a guerra, carajo! Tem que enfiar a lança bem no peito do índio.
Fez uma demonstração:
– Uma estocada funda e rápida, o desgraçado desaba. Enfie e puxe depressa, para não cair do cavalo. Voltou-se para Carlos, dedo em riste:
– Agora vá lá, seu merda, tente de novo.
Nosso “médico”
Nos combates soldados eram atingidos por pedras ou igualmente flexados. Uns morriam, outros ficavam feridos. Quando isso acontecia, o pobre diabo era encaminhado ao barbeiro, que também servia de médico. Este só fazia sangrias nos doentes. Indicava algumas ervas e só. Esse barbeiro-cirurgião, um madrilhenho, era quem arrancava as flexas. Depois costurava as feridas a frio.
Bêbado não sente dor?
O ferido bebia umas duas canecas de rum pelo menos. Logo, meia dúzia de homens seguravam as pernas e braços do infeliz. Enfim, sem isso, o ferido iria se debater quando, por exemplo, uma seta fosse arrancada. Dizem que bêbado não sente dor. Francamente, não sei, mas o fato é que tínhamos que segurar o homem com firmeza. Em uma ocasião, o barbeiro-cirurião chamou o galego e meu primo para ajudá-lo.
– Segurem firme, que o homem vai dar um pulo.
O ferido deu um grito, conseguiu, mesmo bêbado, soltar uma das pernas. Assim, acabou atingindo o rosto de Pablo
As más intenções
Talvez em razão do que dissera Felipillo sobre as más intenções dos ilhéus, a verdade é que chegamos a Puná dispostos a ocupar a ilha e saqueá-la. Afinal, eles tinham casas de pedra, comida, ouro e mulheres. Aquela era, portanto, uma ilha muito prática, um ótimo lugar para descansarmos. Dessa forma, poderíamos prepararmos trqnquilamente o prosseguimento da expedição.
Dominando a ilha do cacique Tumbala
A maioria dos índios em condições de guerrear fugiu. Os guerreiros capturados eram uma ameaça para nós; por isso, os matamos. Os velhos que não escaparam para as florestas também foram mortos, por serem inúteis. Nem poderíamos alimentar a todos se não fizéssemos isso. Uns poucos jovens, porém, destinados a servir como carregadores, bem como as crianças, foram poupados a pedido do padre António, que participava da expedição.
Ele, feliz pelo sucesso catequizador de Molina, achava mais fácil converter os moços que os adultos. Era preciso povoar aquela terra com gente nova que aprendesse castelhano, conhecesse a Verdadeira Fé e vivesse segundo as leis da Espanha. Ou seja, ensinar-lhe as palavras da Bíblia.
Brigando pela índia
As mulheres não foram mortas. As índias mais bonitas foram, aliás, separadas para servir aos veteranos e oficiais. As demais, entregues aos soldados, o que ocasionou brigas entre eles. Assim, um soldado recrutado quando da visita de Pizarro à corte segurava num laço duas mulheres capturadas. Queria ficar com as duas, mas Pablo reivindicava a posse da mais nova.
– Fui eu quem a vi ali no mato meio escondida.
– Sim, mas fui eu quem agarrou a índia.
Ainda não sabíamos avaliar muito bem as idades das índias, (em geral levavam uma vida sofrida e envelheciam cedo). Calculei, porém, que uma delas teria entre quarenta e cinquenta anos. A outra, porém, pela qual brigavam, não devia ter sequer uns vinte cinco anos.
Intercedi portanto em favor de meu primo e ordenei ao soldado que soltasse a mais jovem.
– Pablo é um dos Treze da Fama, como eu. E deve ensinar espanhol a essas coitadas. Assim, o direito de escolha é dele. Respeite-o para que o Gobernador não o ponha na linha. Aliás, eu mesmo o farei se for preciso. Você nem sabe montar a cavalo direito! Pegue a mais velha e desapareça. A moça fica conosco.
A mais velha cozinha melhor
O soldado me encarou com raiva.
–Ela deve ter a idade da minha avó!
– Então não reclame – gritei. – Ela deve cozinhar muito melhor!
Eu era um veterano, ele, porém, nunca pegara em armas. Enfrentei seu olhar até que ele abaixou a cabeça, soltou a menina e, resmungando, partiu, levando consigo a outra índia, a mais velha.
Voltei-me para meu primo:
– Você tem uma dívida comigo. Quando eu quiser – disse, olhando para a moça –, já sabe. Ou seja, é como no Panamá.
– A mais nova não é linda, mas não é feia. Serve – comentou meu primo.
As cativas
As cativas, semi-escravizas, além de servirem sexualmente aos soldados, deviam também desempenhar tarefas domésticas. Cabia a elas, portanto, preparar milho e batata, a base da alimentação no império inca. Deviam, igualmente, acender fogo para aquecimento e para cozinharem. Também cabia a elas assar lhamas que os soldados capturavam, e executar outras tarefas domésticas.
“Comida de índio”
Estávamos meio enjoados da comida local, que chamávamos de “comida de índio”. Sentímos falta de carne bem vermelha. A carne de lhama não era ruim. Mas, era branca. Aliás, sem vacas não tínhamos também leite e queijo. Igualmente não tínhamos pão, porque não existiam nesse país o trigo e outros cereais europeus. Assim, fomos obrigados a nos acostumar com a batata, e o milho, inclusive com a chicha, bebida preparada com esse cereal nativo. Assim, a carne que comíamos era principalmente de lhama, de alguma caça.
Os soldados e as índias
Durante nossas campanhas, muitos soldados apenas violentavam as mulheres e meninas que encontravam. Às vezes passavam um tempo com alguma índia. Mas as punham na rua se ficavam doentes ou engravidavam. Outros, porém, as tomavam como concubinas permanentes. As índias tinham para nós uma estranha aparência, pele cor de cobre, olhos puxados, mas eram mulheres. Algumas chegavam a ser bonitas, em especial as jovens. As mais bem cuidadas eram as de linhagem nobre, filhas de caciques, que tinham pele clara. As camponesas pobres que realizavam serviços pesados ao ar livre eram maltratadas pelo sol e antes dos trinta anos já tinham ar envelhecido.
Mas, não importa: em Nova Castela, (Nota do autor.: Peru) teríamos que nos contentar com as nativas, fossem belas ou não. Era, portanto, o que toda sodadesca fazia. Em suma, quem quisesse uma branca, que voltasse para a Espanha ou então se arranjasse se entendesse com Juana Hernández. Por uma moeda de cobre, ela atendia a qualquer um.
Nosso capitão, Sotto e Gonzalo Pizarro preocupavam-se em controlar o produto do saque, para que os despojos fossem assim divididos com justiça. Havia a parte da Coroa, a dele e de seus sócios e também a de seus homens, segundo os méritos de cada um. É claro que Pizarro privilegiou os seus. Assim Pablo e eu, uns dos Treze da Fama fomos bem remunerados. Soto, porém, era um que estava sempre insatisfeito.
Siga o relato:
Como um analfabeto no comando de menos de duzentos homens, com pouca ou nenhuma experiência militar, conseguiu dominar um império de doze milhões de pessoas ?
Siga a continuação desta postagem: À espera das tropas do Panamá
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