Apesar de eu estar dividindo uma cabana com Ortiz, frequentemente encontrava-me com meu primo e com nosso pequeno grupo de amigos, como Toledo, que continuava habitando com a mesma nobre e a camponesa.
– Casou-se com as duas – caçoava Pablo.
Ficávamos, então, bebendo chicha junto à fogueira e lembrando-nos de nossas cidades na Espanha e dos amigos e parentes que tínhamos por lá. Voltaríamos um dia para casa? Eu sentia que meu primo continuava aborrecido por ter sido substituído por Ortiz, mas para mim era melhor assim. Se continuasse comigo, sei que ficaria de olho em Nitaya.
– Você deveria é ter sido grato a Ortiz por ter salvado sua vida – disse a Pablo uma noite. – Não fosse ele, você estaria apodrecendo no fundo de um abismo.
Novas batalhas
Daquela vez, Pablo, Ortiz e eu fizemos parte do grupo avançado e conseguimos de fato cercar os homens de Quisquis em algumas aldeias. Também vimos um grande número de guerreiros que jogaram fora suas armas e abandonaram os quitenhos. Eu disse a Almagro que eram índios de outras tribos, forçados pelos quitenhos a segui-los, e que estavam desertando. O Adelantado, parecendo ter entendido, fez um sinal com a cabeça e partiu galopando rumo ao impetuoso Soto, recomendando-lhe que deixasse esses pobres diabos em paz.
– Concentre-se nos quitenhos, homem!
As tropas de Quito eram numerosas e houve momentos difíceis em que fomos obrigados a retroceder. A sorte foi a chegada de Pizarro com reforços, que reverteu o combate a nosso favor. Só ao cair da noite a luta terminou. Dois dos nossos morreram e foram enterrados próximo de onde caíram. Cruzes toscas foram colocadas em suas sepulturas. Dormimos no chão, tiritando de frio, enrolados em nossas mantas, com os cavalos encilhados e as armas à mão, imaginando que poderíamos ser atacados no meio da noite. Quando acordei vi que o céu do lado leste ganhava uma luminosidade amarelada. Era um novo dia chegando.
Tive que esperar o sol aparecer para levantar e me aproximar do fogo em que as índias assavam algumas espigas de milho e batatas-doces.
Ortiz também já estava em pé:
– Os quitenhos sumiram de novo – disse. – Devem ter seguido para Cusco.
Pizarro já estava em pé e conversava com Gonzalo.
– Os índios insistem que os de Quito vão querer incendiar Cusco. Acordem quem ainda estiver dormindo.
Enquanto comíamos nossas espigas, Ortiz e eu caminhamos entre os homens, mandando que levantassem.
Todos nós acreditávamos que a tomada de Cusco seria sangrenta e que perderíamos muitos homens. Pablo e eu, mais do que os outros, como conhecíamos a cidade, sabíamos da fortaleza de Sacsayhuamán no topo da colina, na estrada para Cusco. Com poucas peças de artilharia, seria quase impossível tomá-la. Em Cusco, se os quitenhos se escondessem dentro das construções, nossos cavalos não serviriam para muita coisa.
Seria luta casa a casa, com grandes perdas, em um terreno em boa parte acidentantado, onde cavalos não seriam úteis, Eu chegava a imaginar as cenas e nossa dificuldade em ocupar a cidade. Nem sabia, na verdade, se conseguiríamos realmente penetrar na capital inca. Quanto mais nos aproximáva-mos da cidade, mais a tensão entre os homens aumentava.
Sacsayhuamán
Para minha surpresa, porém, chegamos a Sacsayhuamán sem encontrar um só indígena. A fortaleza estava abandonada, como os fortins que encontramos quando nos dirigíamos a Cajamarca.
Deus! Esses índios eram loucos, construíam formidáveis fortalezas e as abandonavam! Era 14 de novembro de 1533, dois anos depois da tomada de Cajamarca, e nada mudara no comportamento dos nativos.
Só mais tarde entenderíamos o que se passou. Os quitenhos eram invasores; aquela não era sua cidade, não tinham por que morrer por ela. De seu lado, a maioria dos guerreiros estava cansada da hostilidade do povo da região e tudo o que desejavam era poder voltar para Quito. Seus poucos aliados já haviam desertado e muitos dos guerreiros quitenhos fizeram a mesma coisa. Além disso, os combates contra os espanhóis em campo aberto e as enormes perdas que sofreram acabaram por influenciar o moral dos guerreiros do norte. É possível também que tenham ficado sabendo que Manco Yupanqui Inca juntara-se a Pizarro contra eles, uma aliança quase invencível.
Entrando em Cusco
Assim, estupefatos, entramos em Cusco sem encontrar nenhuma resistência. Foi tão fácil como se estivéssemos participando de uma procissão em um dia santo! Hernando de Soto e Juan Pizarro seguiam à frente com seus cavaleiros, prontos para alguma surpresa, Francisco Pizarro e Almagro vinham atrás com os soldados a pé. Depois vinham lhamas carregadas.
No fim da fila estavam os carregadores nativos, os negros e as mulheres. Nenhum tiro de arcabuz foi disparado, nenhum combate foi travado. Tivemos pesadelos, suportamos o medo e noites insones por nada. Incrivelmente, a cidade foi ocupada sem uma só morte entre nossos soldados.
Siga o relato:
Como um analfabeto no comando de menos de duzentos homens, com pouca ou nenhuma experiência militar, conseguiu dominar um império de doze milhões de pessoas ?
Siga a continuação desta postagem: Surpresas
*
Você gosta de viajar? Então veja dicas preciosas e fotos dos principais destinos turísticos do mundo:
youtube.com/c/SonhosdeViagemBrasil
instagram.com/sonhosdeviagembrasil
facebook.com/sonhosdeviagembrasil
Temos, igualmente, neste blog o livro A vaca na estrada, fartamente ilustrado. É o relato de uma viagem sabática, de carro de “Paris a Katmandu” com um amigo francês. Uma longa aventura por desertos e montanhas na Turquia, Irã, Afeganistão (antes do Talibã), Paquistão, Índia e Nepal.