Livro; O Ouro Maldito dos Incas

039 – Anno de 1533 – “O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac

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“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac

Um novo inca filho de Atahalpa?

Em Jauja, quando os curacas cusquenhos se afastaram, Pizarro perguntou a Calcuchímac se seria realmente importante que o filho de Atahualpa fosse o novo Inca.
O comandante quitenho garantiu que sim. Seria, em sua opinião, aliás, o melhor para consolidar a paz no império. Pizarro colocou a mão sobre seu ombro.
Isso poderá ser feito. Desde, porém, que seus guerreiros deixem de nos causar problemas. Além disso, nada podem contra nós, espanhóis, com nossas armas e nossos cavalos. Sabe quantos de seus homens o capitão Soto, aqui do meu lado, e uns poucos soldados mataram nesses últimos três dias?
Calcuchímac nos olhou em silêncio. Depois disse:
– O filho de Atahualpa pode ser o novo Inca. É o melhor.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac

O acordo com Calcuchímac

Pizarro respirou fundo:
Ou seja, só depende de você.
O índio exultou. Era, enfim, tudo o que ele queria.
Então mande avisar seus curacas que não podem nos atacar, insistiu Pizarro.
Calcuchímac concordou, mas lembrou:
Para meus guerreiros me obedecerem, não podem, porém, me ver assim acorrentado.
Pizarro ordenou que o liberassem de suas correntes, mas apontou Calcuchímac e avisou Gonzalo:
Fique de olho nesse índio.
Você vai entregar o trono a quem ele indicar?
Pizarro riu:
Você está louco. Disse isso para que deixasse de nos causar problemas.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac

Ferido

Apesar das promessas de Calcuchímac, os quitenhos não cessaram, porém, suas hostilidades. Dessa forma, durante dois dias, travamos combates com guerreiros de sua retaguarda. Matamos alguns, mas daquela vez os fundeiros, no lugar de correr, nos atacaram. Eu e outros fomos atingidos por pedradas. Assim, caí do cavalo, desacordado. Apesar do casco pedra me ferira.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac

Estava, em suma, encharcado de sangue. Minha cabeça girava. Assim, ao despertar, mal distinguia as pessoas à minha volta. Benzi-me, sem conhecer a gravidade de meus ferimentos. Erguido por companheiros, fui colocado na garupa do cavalo de Ortiz e levado de volta a Jauja. Nitaya espantou-se ao me ver chegar amparado por dois homens. Ajudou-os, assim, a me acomodar na esteira e preparou-me chá de coca, enquanto minha cabeça era enfaixada. No dia seguinte, chegou com um feixe de ervas. Febril e semiconsciente, deixei, portanto, que lavasse com elas meus ferimentos.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac

A dedicação de Nitaya

Às vezes eu abria minhas pálpebras pesadas e deparava com Nitaya me observando silenciosa. Pensei que talvez fosse morrer, mas não senti medo. Provavelmente, enfim, apenas decepção com a vida. Ou seja, não fizera nada dela, apesar de ter ouro. Pensei, deprimido, com a mente tomada por pensamentos negros: Quantos homens, ao se aproximarem da morte, sentem que fizeram algo na vida? Para a maioria, é possível que a vida passe assim como uma nuvem no céu.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac

Naqueles momentos Nitaya pegava a minha mão e a apertava de leve, sondando-me com seus olhos negros. Em dois dias, porém, comecei a melhorar, meus ferimentos começavam a cicatrizar e consegui sorrir para ela. Foi quando tive consciência, pela primeira vez, de que ela se preocupara de verdade comigo, o que eu não esperava. Afinal, eu a capturara. E, apesar disso, era querido e também importante para ela. Nunca o fora antes para nenhuma outra mulher.

As Virgens do Sol, sem pai, sem mãe, sem família

Um dia, ainda no leito, abri minha bolsa de couro e me deparei com a imagem de minha mãe em sua caixinha de bronze. Nitaya olhou o pequeno retrato em tinta a óleo, pintado tantos anos antes. Quis saber quem era e ficou surpresa quando lhe disse. Vi, porém, que, por algum motivo, ficara triste. Perguntei por quê. Disse-me que desde os sete anos de idade, quando fora escolhida para ser uma Virgem do Sol, fora afastada de sua família. Mal se lembrava das fisionomias de sua mãe e de seu pai, e não tinha sequer ideia de onde ficava seu ayullu, ou seja aldeia natal. Foi uma das raras vezes em que a vi chorar.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac


Todos têm pai e mãe, eu não. Estão em algum lugar nas montanhas, mas nem sei onde. Aliás, não lembro mais. Quase chorei com ela. Apesar de ainda fraco por estar ferido, consegui abraçá-la e consolei-a.
– Você tem a mim.

Nitaya encostou a cabeça em meu ombro.
Quando voltar para sua terra… Vai me entregar a outro espanhol?

“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac – Acclaas

Pergunta inesperada

Eu não esperava por sua pergunta. Pensativo, alisei seus cabelos. Se voltasse para a Espanha, o que faria com aquela menina? Poderia levá-la? Minha intenção, no início, era tê-la para mim enquanto estivesse no Peru, mas algo mudara. Tomei uma decisão:
Você irá comigo.
– Tem certeza?

Tenho. Traga-me aquele crucifixo pendurado na parede.
Ela o fez, um tanto surpresa.
– Sabe o que significa jurar sobre a imagem de Nosso Senhor? perguntei.
Graças em parte aos cuidados de Nitaya, recuperei-me rapidamente.

“O Ouro Maldito dos Incas” – vicunha

O Vale de Jauja

O Vale de Jauja foi um dos mais agradáveis lugares por onde passamos na marcha para Cusco. Era, em suma, era um lugar para nos recuperamos. O clima era ameno. Fazia um frio seco e os dias eram, porém, geralmente ensolarados. As vezes deparávamos com lhamas, nos garantindo dessa forma carne fresca. Vez ou outra nevava, mas não ligávamos porque estávamos bem alojados, tínhamos roupas de lã de alpaca, lenha para fogueira e, igualmente, muita comida, inclusive chicha. Demos, portanto, graças a Deus por não estarmos mais naqueles picos altos e gelados

“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac

Acostumamo-nos de tal modo com essa bebida que, quando não a tínhamos, sentíamos grande falta dela. Em Jauja tivemos igualmente tempo para conversar com Achachíc. Deliciávamo-nos, assim, com suas histórias. Nossas perguntas o surpreendiam, fazendo-o franzir a testa. Alguns costumes dos incas nos pareciam, entretanto, absurdos. Por exemplo, durante os combates, era comum que as tropas se apresentassem carregando suas múmias mais queridas para proteger suas tropas.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímacmúmias incas

Imagine, carregar múmias em um combate! Se o faziam era para que a sabedoria de seus ancestrais os iluminasse, como se fossem seus supremos comandantes, a inspiradora das tropas. Ao mesmo tempo, as múmias eram os mais importantes troféus de guerra: a suprema humilhação infligida ao inimigo era se apossar e queimar as múmias de seus ancestrais.

Os chasquis, mensageiros do império

Contei a Achachíc sobre minha surpresa quando percorremos o litoral, ao ver a rapidez com que as notícias corriam de um ponto a outro da costa. Ele me contou que, embora não soubessem escrever, os incas usavam os quipús, cordinhas coloridas com diversos nós, cada uma com uma significação. Enfim, eram informações que só os iniciados sabiam decifrar.

“O Ouro Maldito dos Incas” – CalcuchímacOs quipus

Um sistema de mensageiros, os chasquis, que se revezavam na entrega de mensagens, mantinha o imperador informado da situação em cada província. Sem terem, entretanto, como anotar, transmitiam frases curtas que o índio deveria decorar. Depois devia repeti-la, decora-las com exatidão, e transmiti-la ao mensageiro que o revezaria mais tarde, no trecho seguinte do caminho.
Os postos ao longo da estrada ficavam em pontos estratégicos. Dessa forma, podiam, no caso de algum fato grave, como rebelião em uma província, alertar as autoridade. Isso era feito também por meio de sinais de fumaça durante o dia e sinais luminosos à noite. Assim, em poucas horas, a notícia chegava a Cusco, situada, portanto, a centenas de léguas de distância.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac
chasquis (mensageiros)

Escrita e livros

Ortiz e eu não éramos os únicos curiosos. Achachíc, a seu lado, estava intrigado com a nossa escrita e quis saber como funcionava. Expliquei-lhe sobre as letras, usando palavras curtas e simples como “casa”, “milho” e outras. Peguei um papel e uma pena, mostrando-lhe como molhá-la num tinteiro. Ele maravilhou-se com aquilo. Escrevi palavras espanholas e quéchuas.
Nosso discípulo ficou profundamente impressionado com os livros, sobretudo quando nós lhe falamos a enorme quantidade de informação que continham.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac

Serve para as duas línguas?
Para todas as línguas do mundo.
Os olhos do inca brilharam à luz do fogo:
Com esses desenhos – disse, referindo-se às letras – todos ficam sabendo o que estou pensando? Cada pensamento meu?
Sim – concordou Ortiz –, se a pessoa entender a sua língua.
Nós, espanhóis, sabemos alguma coisa – brinquei.
Bem, na verdade, todos os povos do outro lado do mar usam essa linguagem – corrigiu Ortiz.

A roda

Um enorme de vaso de chica estava sempre sobre a mesa. Cada um se servia à vontade. José nos serviu de chicha. Achachíc bebeu um gole e prosseguimos a conversa.
Os incas não conheciam a roda – ou, pelo menos, não a utilizavam. Como José já comentara, não existiam animais capazes de puxar uma carroça e o relevo era acidentado, talvez a roda de fato não ajudasse.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac

Mas isso tornava ainda mais inacreditáveis as realizações desse povo. Já observáramos, quando percorrêramos o país, o cultivo de milho, feijão, amendoim e batata nas encostas das montanhas, em terraços sustentados por muros de pedra e irrigados por aquedutos e canais. Ou seja, aproveitavam cada pedacinho de terrenmo, fosse ou não em uma encosta.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac

Ou seja, sua agricultura era ainda mais sofisticada do que imaginávamos. Achachíc nos disse que as terras eram fertilizadas com diferentes tipos de adubo produzidos por aves marinhas das ilhas Balestas, como o guano trazido de ilhas do litoral que abrigava milhares desses pássaros, mesmo sobre pequenos rochedos. Esses adubos eram tão importantes que quem matasse uma dessas aves era condenado à morte.

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“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac

As habilidades incas

Eu já vira as esculturas em ouro maciço dos jardins de Coricancha. Sabia, portanto, que os incas eram ótimos artesãos. Capazes, em suma, de esculpir em madeira, pedra e outros materiais. Ainda mais, sabia fazer cerâmicas tão boas quanto as espanholas. Muitas delas eram, assim, decoradas com cenas de guerra, caçadas e cerimônias. Outras eram, igualmente, moldadas na forma de animais ou seres humanos. Mas, ouro e prata serviam para fazer objetos de adorno, de uso na religião. Eram igualmente utilizados para enfeitar palácios do Inca e da nobreza.
Não serviam, entretanto, para comprar nada. Aliás, a palavra “comprar” não existia. Sabiam apenas o que era trocar. Por isso mesmo, algumas perguntas de Achachíc nos pareciam meio ingênuas.

“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac

Afinal para que serve o ouro para os espanhois?

Mas, afinal, o que vocês fazem com esse ouro todo que parecem tão desesperados em obter?, perguntou.
Foi Ortiz quem respondeu:
Com o ouro temos todo o resto. Ou seja, ele pode ser trocado por comida, casas, pessoas para nos servir… Enfim, pelo que quisermos.
Dão, assim, pedacinhos de ouro em troca das coisas?
Damos moedas… Na prática pedacinhos redondos de ouro de diferente tamanhos. A maiores valem mais. Fazemos, aliás, o mesmo com a prata. Tirei algumas moedas de um saquinho e mostrei-lhe:

“O Ouro Maldito dos Incas” – Calcuchímac


– Ou seja, com essas pecinhas de ouro e prata vocês conseguem o que querem? Até mulheres ?
Não consegui conter um sorriso:
Isso é muito complicado de explicar…
Ortiz igualmente divertia-se com a conversa:
Digamos, porém, que ajuda a ter uma mulher bonita, porque elas gostam de homens que tenham ouro – disse, simplificando sua explicação.

Mundos muito diferentes

Posteriormente, quando ficamos a sós, Ortiz me disse que conhecera países da Europa com seu pai. Desse modo, sempre ficava curioso com os costumes, com as diferenças entre nós, espanhóis, e outros povos. Era a parte mais interessante da viagem para um homem como ele.
Então – disse eu, olhando-o –, aqui você deve estar percebendo que existe uma diferença muito maior. Em suma, essa gente não se parece conosco em nada.
Ortiz concordou com um movimento de cabeça:
Exatamente. É a curiosidade, aliás, que me faz suportar esta aventura de fome, cansaço, mortes e tantos horrores que já vimos por aí. Sorriu e acrescentou – Além do ouro, é claro

Siga o relato:

Como um analfabeto no comando de menos de duzentos homens, com pouca ou nenhuma experiência militar, conseguiu dominar um império de doze milhões de pessoas ?

Siga a continuação desta postagem: Jauja

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