A viagem sabática
Essa foi a mais importante de minhas aventuras pelo mundo. Talvez tenha sido igualmente, a mais louca de todas na minha vida. Em suma, tomei coragem para encarar junto com um amigo francês uma viagem por terra, de carro, de Paris a Katmandu. Passei pela Turquia, Irã, Afeganistão (antes do Talibã tomar o poder), Paquistão, Índia e Nepal. Essa viagem sabática resultaria no livro “A Vaca na Estrada”.
Em suma, deixei o Brasil disposto a ficar um ano vagabundeando easy-rider no exterior. Talvez mais tempo. Era livre. Um ano no exterior? Parece muito. Em geral, as pessoas têm um mês de férias por ano. Eu, entretanto estava disposto a largar emprego, parar tudo, sumir durante um ano e, voltando ao Brasil ainda jovem, recomeçar do zero, sabendo melhor o que queria.
Esse era o momento
Nem sempre, aliás, temos uma oportunidade como essa na vida. logo, este era o meu momento. Em suma, estava cansado de meu emprego entediante, embora bem remunerado. Nada emocionante, porém, na minha concepção de vida. Formado em Ciências Econômicas e Sociais em Paris, eu, sem nenhuma empolgação, fazia dessa forma, pesquisas sobre o setor terciário em São Paulo. E , ainda mais, ainda dava aulas de sociologia em universidade. Em suma, tinha dois empregos. Dessa forma trabalhava às vezes 12 horas diárias! Assim, acumularia mais dinheiro. Portanto, teria o suficiente para ficar mais tempo viajando.
Se continuasse, em São Paulo, acabaria me habituando. Ou seja“fazendo carreira”; Casando-me e tendo filhos cedo. Caindo, enfim, numa rotina que poderia ser perfeita para muita gente. Porém, não para um outsider como eu.
Passar a vida batendo cartão de ponto?
Aliás, nunca pensei em passar minha vida batendo cartão de ponto numa empresa! Talvez numa aventura pelo mundo quisesse igualmente me testar. Por exemplo, como lidaria com a solidão e os inevitáveis imprevistos? Como me sentiria a milhares de quilômetros de casa? Longe da família, dos amigos, de tudo? Ainda mais, numa época em que as comunicações internacionais eram difíceis e as distâncias pareciam maiores? Aliás, nem telefone celular, whats, ou Face existia!
Desejava saber igualmente quem de fato eu era. Acreditava, aliás, que o distanciamento da rotina me permitiria entender o que realmente esperava da vida.
Queria também me aventurar, perambular por outros países. Na Europa, na Ásia, na América do Sul. Ou seja, conhecer igualmente mais lugares na Europa, na África do Norte e Oriente Médio, além dos que já conhecera quando morava em Paris. E, ainda mais, se possível conhecer culturas diferentes das ocidentais. Em suma, visitar igualmente regiões do planeta que despertavam minha curiosidade desde criança. O Oriente, em particular a Índia e o Nepal.
O bom momento
Eu conseguira em dois anos acumular dinheiro. Se vendesse meu carro, teria ainda mais algum. Ou seja, completando o capital suficiente para minha aventura. Poder, assim, ficar pelo menos um ano viajando pelo planeta de mochila nas costas. O momento, igualmente, era propício. Ainda mais, porque eu não estava envolvido sentimentalmente com ninguém. Afinal, não daria para interromper um relacionamento sério ou um casamento. Aliás, quem faz isso e volta um ano depois leva um pé no traseiro. Ou seja, talvez eu nunca mais tivesse uma oportunidade dessas. A liberdade de encarar uma aventura sozinho e solteiríssimo.
Estava certo. Afinal, em quase todas as minhas viagens posteriores, tive companhia de namorada ou esposa. Vez ou outra viajei com amigos. Raramente viajei sozinho.
Assim, um dia, sentindo-me livre como nunca, embarquei num navio italiano rumo à Europa. Naquela época ainda havia navios de linha entre o Brasil e o continente europeu. Em suma, uma opção mais barata e divertida do que o avião.
Europa
Em plena primavera europeia desembarquei em Lisboa. Passei, assim, algum tempo na capital portuguesa, instalado no Albergue da Juventude. Depois viajei pelo interior de Portugal e igualmente pela Espanha com um amigo que conheci por lá. Bernard. Francês, nascido na Córsega, mas morando em Paris.
Assim, corremos juntos Portugal, Espanha e Marrocos. Nos separamos em Marrakesh, pegando rumos distintos, marcando de nos rever em Paris. Assim, ele seguiu para o o sul, rumo à África Negra.
Norte da África
Viajei um pouco pelo Marrocos, depois fui para a Argélia e a Tunísia. De Tunis, a capital, tomei um ferryboat para a Itália. Desci em Palermo, a capital da Sicília, onde fiquei apenas dois dias. Depois subi a Itália de trem. Primeiro parei em Roma, onde já estivera algumas vezes quando morava na Europa. A parada seguinte seria em Florença. A cidade mãe do Renascimento, que sempre me encantou.
Em Florença passei uns dias com um amigo italiano – Andrea, que tinha feito amizade no navio do Brasil para a Europa. Reencontrei igualmente uma fiorentina, Carla, que tinha conhecido no trem de Palermo. Com seu pequeno fiat 500 mostrou-me, a Toscana, sua região, uma da mais belas da Itália. Depois fui para a Suíça. De lá, igualmente de trem, segui, para Paris.
Mapa de uma pequena aventura antes de partir para a Ásia
Paris, a base de minhas primeiras viagens
No final da primavera, cheguei a Paris. Eu já morara durante alguns anos por lá quando era estudante universitário. Depois, aliás, voltei outras vezes à essa cidade que amo. Bernard, cansado da África, já retornara também à França. Assim, fui convidado a me hospedar em seu apartamento.
Eu conservava boas recordações de Paris de meus tempos de estudante. Uma época de minha vida muito especial. Habitava um minúsculo studio. Minha vida, entretanto, nunca fora tão interessante como durante o período em que morei na cidade.
As primeiras viagens
A situação geográfica de Paris e as facilidades oferecidas para os estudantes na compra de passagens aéreas ajudaram. Ainda mais, com minha carteira internacional de estudante eu tinha descontos de até 50% nas passagens de trem. Dessa forma, nas férias e nos feriados, quando era estudante por lá, viajava para outros países europeus. Assim, durante a época em que morei em Paris viajei muito. Assim, estive na Bélgica, na Holanda, na Alemanha, na Dinamarca, na Suécia, na Suíça, na Itália, na Grécia e, na então, comunista Tchecoslováquia, onde cheguei de carona.
A liberdade de estar motorizado
Posteriormente, a compra de um fusquinha me deu mais liberdade. Mandei instalar um bagageiro no teto do veículo. Assim, viajava com dois ou três amigos com quem dividia a gasolina. Acampávamos ou nos hospedávamos em Albergues da Juventude ou em hoteizinhos simples. Desse modo, fui de carro até o Marrocos, a Turquia e parte do Oriente Médio: Líbano, Síria e Jordânia.
Enfim, para mim, Paris também foi uma festa. Apesar de estudar muito e viajar sempre que possível, encontrava igualmente tempo para me divertir. Assim, frequentar exposições e museus, sair à noite, frequentar bistrôs, ler bastante, ir a festas. Até participar de manifestações estudantís. Quando me lembro dessa época fico admirado. Como conseguia me ocupar de tanta coisa?
Vamos de carro para o Nepal?
Certa tarde no começo do verão, quando caminhávamos pelo Quartier Latin, rumo ao Sena, Bernard perguntou:
— O que você acha de irmos até o Nepal de carro?
Fiquei sem reação. Ele falara num tom displicente, assim como se dissesse: “Que tal irmos a Versalhes no domingo que vem?”
Chegamos à extremidade do Boulevard St-Michel, atravessamos a rua paralela ao cais e paramos junto ao Sena.
Olhei, pensativo, por um momento, para um barco que passava, lotado de turistas. Ir da França ao Nepal de carro! A ideia me hipnotizava, combinava com meus planos, era tudo o que eu queria. Desejava conhecer a Ásia, mas não tomar um avião e desembarcar na Índia. Tinha mesmo, aliás, a intenção de fazer essa viagem por terra por minha conta. Dei um longo assobio…
A mega aventura
Tratava-se, assim, de uma super-aventura. Ou seja, a mais espetacular de minha vida. Iria, assim, enfrentar meses de estrada. Percorreria países distantes e exóticos. E, ainda mais, em um Renault 4L que parecia funcionar bem em Paris, mas era bastante básico e não tão novo. Acredito que raros brasileiros tenham embarcado em uma aventura desse gênero, principalmente na época em que eu a fiz. Confesso que eu queria também degustar o sabor desse pioneirismo. Ou seja, encarar a longa estrada através da Ásia, que me levaria a Katmandu.
Vamos sim
Bernard, como eu, adiara também outros projetos de vida para poder fazer essa viagem e queria partir logo. Fiquei em silêncio. Não era, afinal, aventura o que eu procurava? Certamente eu teria desejado ficar mais tempo em Paris. Um mês pelo menos, por exemplo. Porém, se não aproveitasse aquela oportunidade, quando teria outra? Iria, portanto, depender de transportes públicos, viajaria sozinho e talvez gastasse muito mais. Não tomei mais do que alguns minutos para me decidir. Em suma, era pegar ou largar.
— Vamos.
Á Ásia me esperava
Eu viajara muito mais na Europa e pela América do Sul, Oriente Médio e Norte da África em algumas dezenas de países. Sempre foi tranquilo. Visitei lugares realmente incríveis e curti demais minhas viagens. É claro que, vez ou outra enfrentei perrengues em alguns lugares. Mas sempre conseguia me safar. Tive acidentes, enfrentei problemas em países muçulmanos quando viajava com amigas.
Os perengues
Fui uma vez picado por um peixe-escorpião no Mar Vermelho. Quase morri (um soro aplicado num último momento me salvou).. Cheguei a 6.000 metros de altitude numa montanha na Bolívia. Não morri, mas tive a pior dor de cabeça de minha vida. Voei de balão na França, Por algum motivo inexplicável os dois aquecedores de ar quente desligaram, algo raríssimo. Caímos.. Mas balão cai devagar e aguentamos o tranco.
Experiências únicas
Fiz igualmente questão de passar por uma experiência única, inesquecível. Em suma, de voar em um power paraglider junto do Himalaia, no Nepal, passando do lado das montanhas geladas. Também participei durante três dias de um rafting turbulento no Nepal, até a fronteira da Índia. Ou seja, descendo o rio Narayan, acampando em praias fluviais. Felizmente, porém, os perengues foram casos raros em décadas viajando pelo mundo.
Mas, tudo foi superado. Ainda mais, esta seria uma viagem muito especial, atravessando países de costumes muito diferentes, línguas e religiões que nada têm a ver com a cultura ocidental. Sabia, aliás, muito bem, que essa viagem exigiria deixar de lado certos preconceitos, não ser tão exigente. Teria, enfim, que me desapegar dos pequenos confortos cotidianos.
Ásia: um outro ritmo
Não se tratava, portanto, de percorrer a Europa mais uma vez, ou visitar os Estados Unidos, países onde tudo funciona direitinho. Na Ásia as coisas se passavam de modos e em ritmos peculiares. As paisagens, suas bagunçadas cidades, seu ritmo e, até mesmo sua gastronomia, era outra. A Ásia me esperava com direito a emoções e experiências únicas.
Sobre o autor
Lúcio Martins Rodrigues, morou muitos anos na França e é diplomado em Ciências Econômicas e Sociais pela École des Hautes Études da Sorbonne, em Paris. Na volta ao Brasil, como professor, deu aulas de sociologia durante aproximadamente dois anos e trabalhou também em pesquisas sobre o setor terciária da economia paulistana.
Seu interesse por viagens, fez, entretanto, com que abandonasse a carreira de professor universitário para se dedicar à redação de livros de turismo, relatos de viagem, romances estradeiros e, igualmente matérias jornalísticas de temas turísticos. Assim, já escreveu também diversas reportagens para o turismo do Jornal da Tarde, do grupo Estado e para a revista Horizonte Geográfico.
Agradecimentos Especiais:
Aos nossos amigos Melina Castro, Chico Spagnuolo e José Roberto,””Barão”, (igualmente três viajantes de carteirinha, !) pelo uso de algumas de suas magníficas fotos.
À nossa amiga e parceira, Bebel Enge administradora do site Manual do Turista, pelas dicas e sugestões no Livro “A Vaca na Estrada” contribuições, aliás, que muito enriqueceram o livro.
E essa capa?
Criação de nosso amigo Mair Yamamura Blesio, publicitário, super criativo. Mayr conseguiu assim, captar com fidelidade o espírito e as aventuras vividas pelo autor.
Sigam o relato:
Sigam esta aventura de carro pelas estradas da Ásia atravessando o Oriente mágico e éxotico que encantou milhares de jovens europeus. Uma experiência vivida pelo autor do livro “A Vaca na Estrada” por países como Turquia, Irã, Afeganistão, Paquistão, Índia, Nepal
Veja a continuação desta postagem: Que viagem é essa?